Uma mãe e um filho sob uma chuva torrencial podem não ter sensibilizado um motorista de táxi que os aguardava indiferente no conforto do carro em Caxias do Sul. Menos mal que colegas de profissão assimilaram a situação para redefinir o conceito que eles mesmo tinham sobre o que é ser um bom taxista num mercado transformado pelo apelo do Uber e de outras empresas que operam por meio de aplicativos. A cena, que durou menos de 10 segundos, aconteceu há cerca de três meses na área central da cidade. Foi impactante o suficiente para que vários taxistas mudassem de postura para oferecer mais qualidade aos passageiros.
O táxi havia estacionado na frente de um prédio para buscar a passageira. Enquanto tentava chavear a porta do edifício, a mulher equilibrava a criança pequena num dos braços e as bolsas no outro. Enfim, estava impossibilitada de carregar uma sombrinha. Até conseguir embarcar no carro, naquela curta distância até o veículo, mãe e criança já estavam com roupas e cabelos ensopados, mas o taxista seguia indiferente. Do outro lado da rua, um colega de profissão percebeu a dificuldade da mãe e do filho e sentiu-se constrangido pela falta de gentileza.
— Sim, havia um problema na forma como prestávamos o atendimento à população — admite Marcelo Tomazzoni, que dirige um táxi há quase 20 anos na cidade e soube da história a partir de relatos.
A partir daquela situação corriqueira, 40 taxistas buscaram a construção de um novo perfil para enfrentar não apenas a concorrência dos aplicativos, mas também para se diferenciar dentro da própria categoria. Hoje, esses taxistas integram um grupo que oferece até mesmo o conforto que aquela mulher não teve quando solicitou uma corrida: todos carregam guarda-chuva personalizado para proteção no embarque e no desembarque dos clientes. Parece simples, mas significa uma mudança de perfil num ramo que historicamente sempre foi mais cobrado pelo município quanto ao estado de conservação do carro do que pelo acolhimento ao passageiro.
Numa primeira análise, é uma tentativa de garantir espaço num segmento em que a única régua de qualidade para transportar passageiros parece ser o preço mais barato. Mas também mostra que condutores sisudos e pouco afeitos a cavalheirismos vão perder lugar para os profissionais mais afáveis.
"Só preço baixo não basta"
Há 30 dias, os 40 motoristas oferecem o que eles classificam de táxi premium (serviço pode ser acionado por aplicativo ou telefone). Sob a coordenação de uma comissão de taxistas, o grupo trabalha com carros da classe de transporte executivo, com porta-malas espaçoso e ar-condicionado. Até aí, nada anormal, pois a legislação municipal já exige esses requisitos e os concorrentes também disponibilizam veículos do mesmo nível.
O diferencial é o próprio taxista, que trabalha uniformizado, oferece água, balinhas, internet wi-fi e o essencial pagamento via cartão de crédito. Se acionar o serviço via aplicativo, o cliente saberá o valor da corrida antes mesmo de contratá-la e terá direito a um desconto de 30%. A tarifa das corridas é a mesma estabelecida por decreto municipal. Ou seja, não é mais cara em relação aos outros táxis, embora o preço do serviço ainda supere a média dos aplicativos como Uber e Cabify.
— Só o preço baixo não basta, por isso estamos treinando os taxistas para serem melhores profissionais, acolhedores e educados. O nosso motorista tem de usar o uniforme, ter o carro limpo diariamente, tem de ter internet. Temos sim de pegar um passageiro em dia de chuva e buscá-lo na porta de casa com um guarda-chuva e não deixá-lo se molha. Isso ninguém faz no ramo de transporte — garante Daniel Guaranha, diretor da empresa TeleTáxi, que trabalha com outros 110 taxistas, além dos 40 da categoria premium.
Grupo quer mudar visão que população tem da categoria
Os taxistas designados para o serviço premium passaram por treinamento para aprender a receber melhor os passageiros. Para Felipe Paim Gomes, motorista integrante da comissão, a nova postura era mais do que obrigatória e os próprios passageiros vão acabar selecionando os melhores profissionais. Outros colegas já querem entrar na onda e fazem fila para ingressar no serviço premium.
Gomes diz que não cabe mais aquele taxista que torce o nariz para a falta de troco, que não carrega a bagagem ou que coloca o volume do rádio ou a temperatura do ar-condicionado ao próprio gosto, ignorando o passageiro. Agora é a era do motorista disposto a tornar a viagem do cliente a mais prazerosa possível, ainda que o trajeto dure poucas quadras.
— Queremos mudar a visão que a população tem relação à profissão. Começamos com taxistas que já atuavam de forma diferenciada e nos unimos. Quem nos avalia é a população, que vai dizer como foi a corrida para alguém que está aqui na cidade. Isso vai acabar fazendo com que outros mudem — acredita Gomes.
Concorrência diminuiu número de motoristas
A grande concorrência que exige a nova postura entre os taxistas para reconquistar ou manter passageiros pode ser medida em números. Além da redução de corridas com a entrada dos transportes por aplicativos em Caxias, a categoria perdeu mais de 200 motoristas desde o final de 2016. Atualmente, são 316 táxis licenciados e cerca de 700 condutores atuando, entre taxistas detentores da permissão e seus auxiliares. A quantidade já foi maior: antes dos aplicativos, havia quase mil taxistas. Em contrapartida, a estimativa é de que 2 mil motoristas trabalhem para o Uber e demais plataformas.
Para o presidente do Sindicato dos Taxistas, Adail Bernardo da Silva, parte dos colegas migrou para prestar os serviços via aplicativos das empresas que vieram de fora ou mudou de ramo porque não há rendimentos para todos.
— Tornou-se insustentável manter mais de um motorista auxiliar num único táxi principalmente à noite. Hoje, a gurizada é o público maior na saída das festas e só quer saber dos aplicativos — compara Adail.
Na visão do o sindicalista, a modernização no atendimento dos táxis é fundamental e quem não se adaptar perderá espaço nos próximos três anos. O segmento em Caxias já conta com quatro aplicativos próprios para acionamento de corridas.
— O trabalho (do táxi premium) está colhendo frutos. Por outro lado, vejo que o atendimento está melhorando em nossa categoria como um todo — avalia Adail.
SAIBA MAIS
:: O serviço diferenciado dos taxistas inclui veículos com ar-condicionado e internet, todos identificados com o selo premium e faixas bordô na lataria do veículo. Os carros devem estar limpos e os motoristas precisam usar uniforme (camisas, malhas ou jaquetas padronizadas). Os taxistas são orientados a colocar a bagagem dos clientes no porta-malas, entre outras gentilezas.
:: O preço é o mesmo praticado pelos demais táxis. Para chamar um taxista premium via telefone, basta ligar para (54) 3215.1313 ou mandar mensagem pelo WhatApp (54) 99909.1313. Pelo aplicativo TeleTáxi Caxias (o download está disponível para os sistemas IoS e Android), o desconto é de 30% sobre o total da corrida. Pelo telefone e pelo aplicativo também dá para avaliar como foi o serviço prestado pelo motoristas.
:: Os taxistas em Caxias também operam com outros dois aplicativos próprios: 54Táxi e Rádio Táxi Coocaver. Essas duas plataformas oferecem descontos na tarifa e podem ser baixadas pelos sistemas IoS e Android.