O ano de 2017 ainda nem chegou à metade e já acumula praticamente o mesmo número de mortes por atropelamento registradas em todo o ano passado em Caxias do Sul: de 1º de janeiro até ontem, foram sete óbitos – 41,1% de todos os 17 acidentes fatais em ruas e estradas que cortam a cidade –, contra oito ocorrências em 2016. A falta de planejamento viário, a desatenção de pedestres e motoristas podem ser alguns dos motivos que impulsionam os casos.
– É uma série de fatores que levam aos atropelamentos. Os carros se tornaram mais velozes e as vias também. As ruas centrais e as rodovias, por exemplo, são quase todas pavimentadas. E o asfalto aumenta, e muito, a velocidade dos veículos. Nesse sentido, o poder público tem o dever em questões como a educação, as obras de engenharia e a fiscalização – explica Juarez Martins Ribeiro, professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e especialista em segurança do trânsito.
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A preocupação com os atropelamentos também motivou uma palestra na última sexta-feira, promovida pela Escola Pública de Trânsito (EPT) da Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade durante a programação do Maio Amarelo.De acordo com o gerente da EPT, Carlos Beraldo, os carros se tornaram prioridade para as pessoas. Na década de 1950, revela Beraldo, a cidade tinha uma frota de 268 veículos. Em 2017 (dados de abril), Caxias conta com cerca de 299 mil veículos em circulação.
Das sete vítimas, quatro morreram em rodovias, o que não chega ser uma novidade: entre 2015 e 2016, metade dos atropelamentos com óbitos ocorreu nas estradas que cortam a cidade. Alguns minutos na BR-116, em frente ao Hospital Geral, por exemplo, são suficientes para perceber a imprudência de motoristas e dos próprios pedestres. Travessias fora da faixa de segurança e frenagens perigosas são comuns. Também chama a atenção a falta de equipamentos de segurança e até a inexistência de passeio público na rodovia federal, que teve três mortes em 2017 e outras quatro nos dois anos anteriores.
Idosos em risco
As crianças e os idosos estão entre os grupos mais vulneráveis no trânsito, dizem especialistas. Das sete vítimas de atropelamento em Caxias, três tinham mais de 60 anos. Em um dos casos, um idoso de 82 anos morreu após ser atropelado na BR-116, em São Ciro, em março. Com a batida, o corpo foi arremessado por 21,5 metros. Mais recentemente, no último dia 14 de maio, a irmã Santina Pasuch, 79, foi atropelada por um Ônix que dava a marcha ré, no bairro Panazzolo. A idosa foi internada e se recupera no Hospital da Unimed.Nos últimos 10 anos, o gerente da Escola Pública de Trânsito contabiliza cerca de 150 mortes por atropelamentos, sendo 51 de pessoas com mais de 60 anos.
– O idoso motorista é mais cuidadoso e educado, mas infelizmente, como pedestre, a locomoção é limitada e precisa de mais atenção – explica Beraldo.
As vítimas:
:: Rafaela Maino Ferreira, 16 anos: atropelada por uma motocicleta na madrugada do dia 14 de janeiro, no Loteamento Vitória, região do São Victor Cohab. Ficou internada por uma semana no Hospital Pompéia e morreu em 23 de janeiro.
:: Mario Corso, 68 anos: a vítima, que apresentava sinais de embriaguez segundo a Polícia Rodoviária Federal, tentava atravessar a rodovia quando foi atingida por um Ka. O acidente aconteceu dia 21 de janeiro, no km 149 da BR-116, próximo ao bairro Sagrada Família. Internado no Hospital Pompéia, morreu no dia seguinte.
:: Teodomiro Domingues Vieira, 82 anos: atravessava a BR-116 no final da manhã do dia 2 de março, quando foi atingido por uma caminhonete Hilux. O acidente ocorreu no km 145, próximo ao bairro São Ciro. Morreu no local.
:: Eduardo Lorenzi, 35 anos: foi atropelado por uma motocicleta na BR-116, na madrugada do dia 12 de março. O acidente ocorreu no km 152,1, na altura do bairro Planalto, pouco antes da 1h. Ele morreu no dia 4 de abril, no Hospital Pompéia.
:: Giovane da Silva Gonçalves, 10 anos: por volta das 7h do dia 6 de abril, foi atropelado por um caminhão no km 141 da RSC-453 (Rota do Sol), altura do bairro Santa Fé, quando atravessava a estrada para ir à escola. Morreu no local.
:: Vilson Ferreira da Silva, 50 anos: por volta das 20h do dia 25 de abril, foi atropelado por um Space Fox na Rua Ernesto Alves, na área central. O motorista que o atingiu disse à polícia que a vítima surgiu na via, de costas para os veículos, e que apresentava sinais de embriaguez. Internado no Hospital Pompéia, morreu no dia 28 de abril.
:: Nadir Bach, 71 anos: foi atropelada por uma caminhonete Amarok no dia 5 de maio na esquina das ruas Vinte de Setembro e Coronel Flores, bairro São Pelegrino, por volta das 7h. Foi levada ao Hospital Pompéia, mas morreu no mesmo dia.
"Perdemos o espaço de calçadas e ganhamos para os veículos", diz especialista
A prevenção de atropelamentos não está ligada somente à atitude de pedestres e motoristas. O desenho das cidades pode contribuir para a redução de acidentes e, consequentemente, o número de mortes em ruas e rodovias. Para o arquiteto Ramiro Levy, coordenador de projetos e pesquisas da ONG Cidade Ativa, a popularização dos automóveis e o crescimento das cidades fizeram com que o pedestre saísse perdendo:
– Desde a década de 1950, as políticas urbanas e de mobilidade priorizam os automóveis. Perdemos o espaço de calçada e ganhamos espaço para os veículos. A engenharia de tráfego também priorizou a suposta eficiência do fluxo de veículos, e nem sempre se pensa na segurança de pedestres e ciclistas, que são o elo frágil desta corrente.
Levy explica que mudanças no desenho viário, como o alargamento de calçadas e o estreitamento das vias, podem trazer mais segurança aos pedestres.
– Ruas largas dão sensação que o motorista pode ir mais rápido, facilitando a ocorrência de acidentes. Uma alternativa é eliminar de duas a três vagas de estacionamento próximas a cruzamentos. Elas (vagas) normalmente diminuem o campo de visão dos pedestres, tornando a travessia mais perigosa – sugere.