
Após quatro horas de reunião na sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, em Porto Alegre, os funcionários da Visate decidiram continuar em greve em Caxias do Sul. Pelo menos até uma assembleia, marcada para as 6h30min de terça-feira. Novamente, segundo representantes da categoria, a concessionária responsável pelo transporte público na cidade não apresentou propostas para o pagamento do dissídio salarial aos trabalhadores. Nesta segunda-feira, nenhum ônibus circulou em Caxias e afetou, entre outras coisas, o deslocamento de estudantes.
O desembargador João Pedro Silvestrin, vice-presidente do TRT, fez duas proposições aos grevistas, que serão discutidas na assembleia de terça-feira. Ele pediu para que elas fossem mantidas em sigilo. Conforme o advogado do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Caxias, João Batista Wolff, houve "evolução" no movimento de paralisação. Caberá, porém, aos funcionários da Visate decidir se levam adiante a greve ou não:
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– Foi a mesma "ladainha" da empresa. Continuaram vinculando o dissídio ao aumento da tarifa. Amanhã (terça) não sai ônibus no início do dia, mas o transporte pode voltar ou a mobilização seguir de outra forma. As proposições (do TRT) são interessantes, conseguimos evolução no processo. Temos de ver agora se o trabalhador aceita ou não.
O vice-prefeito de Caxias, Ricardo Fabris, o secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade, Cristiano de Abreu Soares, e a procuradora-geral adjunta, Ana Cláudia Doleys Schittler, estiveram presentes na audiência. Eles se comprometeram a intermediar uma conversa entre Daniel Guerra e a direção da Visate. A prefeitura, por meio de sua assessoria, disse que não vai se manifestar, já que o encontro no TRT era para discutir questões relativas ao dissídio dos rodoviários. Pela manhã, o chefe de Gabinete, Júlio César Freitas da Rosa, falou que estava "perplexo com o deboche do sindicato com a população".
– Entraram praticamente mudos e saíram calados no que interessa: o reajuste da tarifa. Se comprometeram só em tentar promover o diálogo entre Guerra e concessionária, o que ninguém acredita que vá acontecer – afirma João Batista Wolff.
Desde que anunciou o congelamento da passagem em R$ 3,40, logo que assumiu a gestão, o prefeito de Caxias do Sul entrou em conflito com a Visate. A concessionária alega que terá um prejuízo de R$ 27 milhões ao fim do ano e que não há condições de pagar o dissídio aos funcionários sem que seja discutido a elevação do valor do bilhete.
Os trabalhadores, por outro lado, não aceitam mais cumprir a jornada sem receber pelo menos a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que equivale à reposição da inflação. Na semana passada, a 2ª Vara Cível de Caxias tentou uma conciliação entre as partes, que terminou sem sucesso.

Prefeitura procura outras empresas
O Executivo convocou uma reunião com o setor de transporte privado de passageiros nesta segunda-feira para buscar alternativas à greve. O Sindicato das Empresas de Fretamento e Turismo da Serra Gaúcha fará um levantamento sobre a frota de ônibus disponível na cidade para atender a população.
A hipótese já vinha sendo cogitada há vários dias, mas trazia apenas o nome de uma empresa, o que acabou não se confirmando. A negociação entre o Executivo e o grupo de transportadoras se daria de forma emergencial, por meio de um credenciamento. A solução é paliativa, para não deixar de prestar o serviço em caso de rompimento contratual com a Visate ou em um eventual prolongamento da greve.O presidente do sindicato, Leonardo Boff, é cauteloso e salienta se tratar apenas de uma conversa inicial:
– Vamos analisar, junto às empresas, quantos coletivos poderiam estar disponíveis para atender a cidade nesses horários. Muitas transportadoras têm compromisso com as empresas de Caxias. Temos de ver a possibilidade de isso ser feito e qual o impacto para o nosso trabalho. O importante é ressaltar que o fretamento em Caxias é um segmento gigante, mas que nunca foi visto.
Boff ressalta que do total da frota de ônibus, a Visate corresponde a apenas um pequeno percentual. Hoje restariam 1,2 mil veículos para fretamento.
– A greve da Visate pode não ser tão representativa quanto parece, basta ver que hoje (segunda) nenhuma loja deixou de funcionar. Os estudantes que faltaram às aulas não representam um impacto tão grande no funcionamento da cidade – analisa.

Setor metalmecânico calcula prejuízo de R$ 3,5 mi
Mesmo que a frota da Visate não seja tão significativa, a ausência dela nas ruas já trouxe prejuízos milionários a Caxias do Sul. O Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs) aponta que pelo menos R$ 3,5 milhões deixaram de ser faturados apenas com os 30 minutos de atraso, em média, no início da jornada dos trabalhadores do setor metalmecânico na manhã desta segunda-feira. O montante pode ser maior, pois a pesquisa do Simecs foi por amostragem.
Conforme o diretor-executivo da entidade, Odacir Conte, empresas de pequeno, médio e grande porte informaram que os funcionários que dependem dos ônibus da Visate tiveram dificuldade para cumprir o horário. Juntas, essas fábricas avaliadas absorvem cerca de 40% da mão de obra dos metalúrgicos na cidade. A Agrale, que emprega cera de 1,2 mil pessoas, não havia registrado a entrada de quase 20% do quadro funcional até as 8h – a jornada começa às 7h30min, conforme o Simecs.
– De forma genérica, houve atrasos que chegaram a 30 minutos, em média. Houve também funcionários que não compareceram porque moram longe do trabalho. Ainda assim, podia ter sido pior não houvesse um preparo das empresas e de seus funcionários – pondera Conte.
O preparo citado pelo empresário envolveu a contratação de ônibus fretados, um custo a mais na conta das empresas, e a solidariedade entre colegas que ofereceram caronas. Para calcular o prejuízo, o Simecs se baseou no faturamento médio mensal de R$ 1,5 bilhão do setor dividido por 22 dias úteis no mês. Diariamente, o setor fatura, em média, R$ 68,2 milhões. O Simecs estima que 5% desse valor deixaram de ser arrecadados com o atraso no início da jornada nas fábricas, o que compromete o andamento da produção e, consequentemente, a entrega de pedidos.
– Nessa retomada lenta da economia, as paradas são prejudiciais. Se não entrega o pedido, já incorre o prejuízo. Causa estranheza a determinação do judiciário ao expedir uma liminar que estabelece R$ 5 mil de multa pelo não cumprimento da exigência de ter 70% do transporte nas ruas. Essa pena é extremamente ridícula e deixa toda a população à mercê – critica Conte.
Movimento começou tímido no comércio
As empresas ligadas ao Sindicato do Comércio Varejista de Caxias do Sul (Sindilojas) também confirmaram atrasos de funcionários, mas nada que tenha complicado o atendimento ao público. Contudo, lojistas informaram ao sindicato que o movimento caiu cerca de 40% entre 9h, horário de abertura do comércio, e 10h30min. O segmento absorve 20 mil trabalhadores.
Para a vice-presidente do Sindilojas, Idalice Manchini, mesmo se a greve persistir, a terça-feira será mais tranquila. Muitos comerciários pegaram carona com colegas, usaram táxi ou Uber, por exemplo. Conforme a entidade, alguns empreendedores estão dando subsídios para essas corridas.
– Todos já estarão mais preparados para carona e outros meios amanhã (terça-feira). Os associados estão orientados neste sentido – diz Idalice.
Hospital contratou duas empresas de transporte
No setor de serviços, especialmente na área da saúde, a saída tem sido optar pelo fretamento. O Hospital Pompéia, o maior da Serra, contratou duas empresas de transporte para buscar e levar cerca de 900 funcionários dos três turnos já a partir desta terça-feira. O roteiro começará por Forqueta, Serrano e Loteamento Brandalise. Nesta segunda-feira, a instituição deslocou carros para trazer 10 trabalhadores. Os demais chegaram por meios próprios.
– Houve atrasos, mas a equipe está comprometida para garantir o atendimento. Enquanto os colegas não chegavam, quem estava para sair ficou no aguardo – revela a superintendente administrativa do Pompéia, Daniele Meneguzzi.
O dono da Casa de Repouso Novos Horizontes, no Cinquentenário, saiu de casa mais cedo para transportar os funcionários responsáveis pelos cuidados de idosos. Uma outra colaboradora da casa preferiu caminhar cerca de três quilômetros.
– Já imaginava que seria puxado nesta semana. Busquei a nossa cozinheira no Diamantino e uma cuidadora em Ana Rech e vou levá-las de volta. Apesar disso, quando tomamos uma atitude dessas, corremos riscos de estar na rua. A corda sempre estoura no lado mais fraco – lamenta Rafael Klein.