Em quinze dias, dois assassinatos motivados por banalidades trouxeram à tona novamente o debate sobre a violência desenfreada vivida na atualidade. No último final de semana, André Hoffman Padilha, 35 anos, foi morto por causa do som alto de uma festa. Semanas antes, uma briga em um posto de combustível terminou com a morte de Marcos Diego da Silva Pereira, 24 anos.
Na ponta do lápis, os dados são assustadores. Dez dos 108 assassinatos deste ano foram resultado de situações em que o diálogo não imperou. Entre eles, o de Clair de Fátima Rech, morta pelas mãos da própria amiga, e Ronaldo Pereira da Silva, 19, assassinado porque ele e um grupo de amigos xingaram o motorista de um carro.
Por pouco, esse número não é maior. Na quinta-feira, dois homens agrediram um terceiro por causa de um acidente de trânsito com danos materiais no bairro Santa Catarina. Mesmo depois de cair no chão, o motorista, de 55 anos, continuou sendo agredido. Os autores seriam pai e filho.
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A sociedade está em crise, fruto do materialismo, da descrença nos poderes constituídos e na perca da referência da família, dizem os especialistas. Diante dessa fragilidade, é difícil apontar uma solução, mas todas elas passam pelo diálogo e pela compreensão do outro. Um trabalho longo, porém, que já tem deixado exemplos.
- Já vi dois homens presos, envolvidos em mútuas tentativas de homicídio, reunirem-se com suas famílias e prometerem acabar com as desavenças. Em um mercado, uma senhora prendeu três adolescentes que tentavam roubá-la. Ela não chamou a polícia, ligou para a central restaurativa e os rapazes foram reintegrados à sociedade - conta o juiz Leoberto Brancher, coordenador do Programa Justiça Restaurativa para o Século 21 do Tribunal do RS, que vê o consenso como forma de reduzir a violência nos lares e nas ruas.
Consenso que passa também pelas escolas, por meio do Círculo de Paz, desenvolvido pela Guarda Municipal da Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social de Caxias, desde 2012. Este ano, foram 45 círculos na rede municipal e ações de prevenção que abrangeram mais de oito mil pessoas. Nos colégios, são feitos diagnósticos e planos de trabalho. É especialmente a palavra o principal objeto de reintegração. As primeiras ações de combate à violência nas comunidades iniciaram há 18 anos, no bairro Cânyon.
- O conflito expressa uma necessidade não atendida. E a violência é reproduzida pela cultura como uma forma de se resolver conflitos. Perdemos o senso de comunidade. Precisamos mudar a cultura. Não se consegue isso com apenas uma ação. Cuidar das crianças agora é uma opção, um longo caminho para uma sociedade não violenta - avalia a assistente social Eva Teixeira Domingues.
Diálogo melhorou relações
Quando as discussões tornaram-se agressões físicas diárias entre uma turma de 35 alunos, a Escola Municipal de Ensino Fundamental João de Zorzi decidiu procurar ajuda. Primeiro, gestores buscaram os pais dos adolescentes e convidaram as famílias a se integrarem mais com a rotina escolar. A ideia foi aceita, mas, na prática, não teve adesão. Os pais não compareceram. O colégio decidiu procurar o Círculo de Paz.
- Eles estavam ansiosos, perdidos. Qualquer coisa se transformava em briga, um jogo de futebol, um lápis que foi jogado e acertou alguém. Era mais de uma por dia. Tinha muito bullying. A violência do entorno, das famílias, se reflete na escola. Chegamos a registrar boletim de ocorrência por conta de danos ao patrimônio público - conta a diretora Ana Regina Susin.
Em agosto, iniciaram as atividades do Círculo. Primeiro com os professores e depois com os alunos. Quinzenalmente, o diálogo com os estudantes eram feitos e os desabafos, as dificuldades nas relações familiares começaram a surgir. Eles queriam ser escutados. Na escola, o relacionamento melhorou, mas o trabalho é constante. Interrompido durante as férias escolares, o Círculo deve retomar no próximo ano.
- Ouvimos coisas que nem imaginávamos que acontecia na casa deles. É como pegar um grão de areia todo dia. Um trabalho lento, mas vale a pena lutar por eles.
CONFLITOS QUE SE TRANSFORMARAM EM TRAGÉDIAS
- Arancibio Teles Pereira, 52 anos, morto com garrafadas na cabeça pelo enteado, durante uma discussão. O rapaz, Juliano Cuña Dutra, 29, foi preso. O crime ocorreu em 1º de janeiro, na Rua dos Tanoeiros, bairro Belo Horizonte
- Aldair Inácio da Silva, 20 anos, foi morto a tiros por causa de uma discussão durante jogo de futebol. Adélcio Luiz Zanatta, pai de um dos jogadores, foi preso. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro, na Rua Ludovico Cavinatto, bairro Santa Catarina
- Rodrigo Luiz Gaik, 38 anos, foi morto com uma facada no pescoço por causa de uma garrafa de cachaça. Rodrigo Oliveira Vieira foi preso. O crime ocorreu em 13 de fevereiro, na Praça Dante Alighieri
- Renato Eduardo dos Santos, 1 anos e dez meses, morto com um tiro durante um desentendimento familiar. O disparo não era dirigido para o menino. O padastro, Anderson Macedo dos Santos, 27, foi preso. O crime ocorreu em 16 de fevereiro, no beco da Rua João Rodrigues da Silva, bairro Santa Fé
- Paulo Estevão Rodrigues Marinho, 38 anos, morto com uma facada após discutir sobre a fumaça de cigarro na pensão onde morava. Renan Jara, 25 anos, foi preso. O crime ocorreu em 4 de abril, na Rua Coronel Camisão, Centro
- Henrique Nélvio Toigo, 77 anos, agredido a facadas durante uma discussão em uma lancheria. Jardel Leandro Pereira, 44, foi preso. O crime ocorreu no dia 17 de setembro, na Rua Moreira César, bairro Pio X
- Ronaldo Pereira da Silva, 19 anos, morto a tiros. Caminhava com amigos na Perimetral próximo a uma rótula. Eles xingaram o motorista de um carro que passou próximo deles, e que atirou contra o grupo. Dois foram presos. O crime ocorreu dia 26 de setembro, nas proximidades da rótula da Avenida São Leopoldo com a Perimetral Sul
- Clair de Fátima Rech, 52 anos, morta asfixiada por causa de uma dívida de cartão de crédito. Rita dos Santos Oliveira, 35, amiga da vítima, foi presa. O crime ocorreu dia 9 de novembro, no Loteamento Vila Amélia
- Marcos Diego da Silva Pereira, 24 anos, morto a tiros no Posto Onzi, bairro Interlagos, durante uma briga. Alisson Robson dos Santos, 29 anos, responde em liberdade. Pereira estava em uma briga envolvendo duas mulheres. A mulher de Santos teria passado pelo local e acabou envolvida. Imagens mostraram uma possível legítima defesa de Santos e ele responde em liberdade. O crime ocorreu no dia 28 de novembro.
- André Hoffman Padilha, 35 anos, morto a tiros por causa do som alto durante uma festa que acontecia na própria casa. Familiares indicam um vizinho como autor dos disparos. O crime ocorreu dia 12 de dezembro, na Rua Valdir Luíz Vicenzi, Santa Fé. O suspeito se apresentou à polícia, alegou legítima defesa e responde em liberdade.