Raquel Fronza, interina
Em fevereiro de 2001, Herbert Vianna pilotava um ultraleve no Rio de Janeiro que preferia não ter pilotado. Talvez preferisse nem ter um ultraleve, quiçá dirigi-lo. Se pudesse escolher, o querido paralamas do sucesso preferia ter ido a um show, não ter levantado da cama, ter ido à praia.
Com a queda do ultraleve, morreu a esposa de Herbert, a jornalista Lucy. Casados há nove anos, colocaram três herdeiros no mundo. Herbert, hoje paraplégico, percorre o país em uma cadeira de rodas e arranca aplausos dos fãs, que o admiram por tocar a vida, mesmo quando ela parece não ter mais razão.
Desde que Herbert compôs a música "Cuide bem do seu amor", não fui mais a mesma. Passei a imaginar a culpa que ele sente por ter feito parte, sem querer, da abreviação da vida de Lucy. Eu poderia transcrever toda a letra neste espaço, mas uma frase se encaixa tão perfeitamente no nosso dia a dia que é suficiente:
"Há um segundo tudo estava em paz".
É impossível não ter essa sensação quando algo de muito ruim acontece na nossa vida. De fato, há um segundo você tinha um emprego. Você namorava, tinha uma esposa, um carro. Nada mais do que um segundo te separou daquele acidente, da morte dos teus pais, do melhor amigo. Ou da maior traição que a vida já soube inventar: o enterro do teu filho.
Foi isso que pensei no último 3 de fevereiro, quando viajava com minha mãe para a praia. Meu pai e meu namorado nos encontrariam no fim de semana. Férias, tão sonhadas férias, interrompidas por um telefonema. Minha avó, "apenas" a mulher que me criou, sofreu um AVC. Há um segundo, eu tinha dado um beijo estralado na bochecha dela, retribuído com um carinhoso 'te cuida, filha'.
Percorri Tainhas/Bento Gonçalves em 1h30min. Perigoso, eu sei. Pensei, naquela centena de quilômetros, que faltei aos cafés da tarde que ela preparava, não a levei mais passear. Lembrei que reclamei do barulho que a calopsita dela causa. Assim, posso não ter cuidado tão bem do meu amor. A vó, dona Gemma, contrariando toda previsão médica, está ótima. Nem sempre temos uma segunda chance. Eu tive.
Se puder, observe de perto se a sua maior tragédia não é a segunda chance batendo na porta. Prometo tomar café com a senhora no sábado, vó. E você, por favor, trate de cuidar muito bem do seu amor.
Opinião
Raquel Fronza: cuide bem do seu amor e das segundas chances que a vida dá
Observe se sua maior tragédia não é a segunda chance batendo na porta
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