Gilberto Blume: espero que meus porongos amadureçam a tempo de virarem chocalhos nos protestos

De modo geral, tocamos a vida elencando tarefas, compromissos, urgências - priorizando as coisas numa agenda mais ou menos organizada. Revelo aqui um acontecimento que se impôs ao natural durante minhas recentes férias e que, inusitadamente, virou prioridade.

Foi assim.

Dias antes das férias vi que uma muda de porongo (Lagenaria siceraria) nascera espontaneamente no meu jardim. Reguei o rebento e saí de férias.

Ao voltar, o pé de porongo se agigantara. Os ramos lançaram gavinhas, se agarraram onde desse e alcançaram uma antena de TV afixada a alguns metros do solo.

Desnecessário dizer que fiquei sem televisão, sinal algum seria capaz de furar o bloqueio da densa ramagem.

Em compensação, estou cultivando promissora safra de porongos (ou cuias, ou cabaças) na antena.

Sei de caso pensado que ficarei sem televisão por mais algumas semanas, mas defini que a prioridade é esperar os porongos amadurecerem, colhê-los, abrir um furinho redondo na casca e pendurá-los no arvoredo do quintal a fim de atrair passarinhos.

Meu projeto, admito, é prosaico, não alterará um milímetro sequer os rumos da humanidade.

Mas é uma prioridade que defendo e que pretendo levar até o fim, mesmo que o preço seja ficar sem TV por alguns dias.

Se os nossos governantes levassem a sério as prioridades que prometem a cada campanha e a cada crise que assombra o país, é bem provável que os caminhoneiros não estariam protestando pelos mesmíssimos motivos que os levaram a protestar 15 anos atrás.

Se investimentos em energia fossem prioridade, provavelmente não teríamos levado a facada dos 35% de reajuste na conta da luz. Nossa prioridade, agora, é tomar banhos mais breves e mais frios e, de novo, torcer para que a paralisação dos caminhoneiros e a conta de luz interfira o menos possível no preço de viver decentemente.

Tomara que meus porongos amadureçam logo. Minha esperança é de que antes de virar ninhos de passarinho os frutos possam ser empregados como chocalhos nos protestos que parecem inevitáveis.

Protestos são prioridade?