
A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata sobre a saúde mental dos trabalhadores, mobiliza empresas na Serra para as devidas adequações. O prazo para implantação é 26 de maio, mas, após pressão de sindicatos patronais, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu não multar, pelo período de um ano, nenhuma empresa que descumprir as regras. Ou seja, neste momento a medida entrará como um processo de implantação educativa.
A NR-1 já é uma norma que trata de forma abrangente sobre a segurança e saúde no trabalho. Com a atualização, na prática, o MTE poderá fiscalizar situações como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, falta de autonomia no trabalho e condições precárias de trabalho. Segundo a pasta, são situações que podem causar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental nos trabalhadores. As empresas, assim, devem começar a fazer uma análise de riscos psicossociais.
O gerente regional do MTE em Caxias do Sul, Vanius Corte, lembra que a NR-1 sempre solicitou que as empresas avaliassem todos os riscos que podem existir aos trabalhadores para evitar acidentes ou doenças. Entre elas, os fatores psicossociais poderiam também ser levados em conta pelos empregadores. Como destaca o gerente, a alteração foi apenas para deixar explícito esses cuidados.
— Não quer dizer que antes não precisasse fazer. Só que antes isso não estava expresso. O que constou da NR-1 agora foi que é necessário avaliar as condições de trabalho, e inclusive porque tu tem vários tipos de riscos, como químico, físico, biológico, ergonômicos e de acidentes, e entre os ergonômicos, os psicossociais. Então, o que se fez foi só expressar isso. Virou uma confusão como se isso fosse uma grande novidade. Não é verdade. Isso já existia, mas não estava explícito — esclarece o gerente regional.
A atualização também chama atenção para o número de afastamentos que ocorrem no mercado de trabalho por conta da saúde mental. Em 2024, o RS registrou 37 mil afastamentos pela questão, segundo dado do Ministério da Previdência Social. É um dos maiores índices do país, que registrou quase 500 mil licenças médicas por problemas psicossociais.
— Essa norma não diz: "agora as empresas têm que cuidar da saúde mental dos seus trabalhadores". Não é isso. O que a norma fala e já falava antes é que o empregador tem que manter os locais de trabalho adequados para não causar o adoecimento das pessoas. Então, bom, tu tem um problema grande de afastamento de trabalhadores por conta da saúde mental. O que o governo faz? Ele diz, "vamos tratar disso". Em que concerne ao trabalho, se os afastamentos forem motivados por situações existentes nos locais de trabalho, isso tem que ser avaliado e a causa disso tem que ser eliminada — completa Corte.
"O maior capital que uma empresa tem é o seu colaborador"
Além do expressivo número de afastamentos no ano passado, o aumento de casos relacionados à saúde mental entre 2023 e 2024 é de 68% em todo o Brasil. O especialista em ESG (Ambiental, Social e Governança, em tradução) e fundador da DSG Consultoria, Magnor Müller, explica que, quando trata-se da atualização, as empresas podem começar a analisar situações como a taxa de absenteísmo, a rotatividade no quadro de trabalhadores, se há casos por processos por assédio moral, sexual ou discriminação, e até mesmo o relacionamento entre líderes e colaboradores.
— A empresa vai avaliando vários aspectos e ela vai chegar a números. Esses números vão traduzir para ela se, olha, realmente estamos com um problema, talvez de assédio moral, ou talvez de cobrança muito alta e mal feita por parte do líder em relação aos colaboradores. Estamos pondo muita pressão sobre muita carga horária, o trabalhador não está conseguindo conciliar a sua vida pessoal com a vida de trabalho, porque tudo isso vai gerando, gradativamente, uma ansiedade. Dessa ansiedade posso vir para uma depressão e até que chega um ponto que é uma doença e eu não consigo mais trabalhar de jeito nenhum — exemplifica o especialista.

Müller aconselha que, ao identificar situações como essa, as empresas podem buscar um profissional externo, como consultoria ou profissional de psicologia, e criar um comitê interno com lideranças e colaboradores de diferentes setores. O especialista observa, contudo, que as empresas não devem simplesmente contratar alguém de fora para "passar o problema adiante". Elas também devem participar de forma ativa desse processo:
— É uma questão de cultura. Seria muito produtivo para a empresa entender que o maior capital que uma empresa tem é o seu colaborador. Porque a máquina queimou, estragou, enferrujou, tu conserta, tu faz uma revitalização nela, ou substitui. As pessoas que são qualificadas, elas não ficam nessas empresas. Porque pela qualificação, pelo comprometimento que elas dedicam à empresa, se elas percebem que aquilo não é reconhecido e que elas estão sobrecarregadas, elas sempre vão estar com um olhar para o mercado externo, e na primeira oportunidade elas vão embora.
Müller destaca também que, além da exigência legal, a atualização chama atenção para o papel das empresas na agenda ESG, especialmente no pilar social, que trata sobre o cuidado com as pessoas e o ambiente de trabalho.
— O social é extremamente importante. Então o que é o social dentro do ESG na empresa? É exatamente isso. É a pessoa se sentir acolhida, a pessoa sentir que a sua queixa é realmente legítima, que a empresa se importa com ela, que vai fazer, se ela disser, "olha, o meu colega tá me chamando de um apelido que eu não estou gostando", que o líder vai pegar, vai atrás e vai resolver isso — exemplifica o consultor.
O especialista lista ações que as empresas podem adotar para ficar de acordo com a atualização das normas da NR-1:
- Estudo da norma: engaje lideranças, RH e segurança do trabalho no entendimento da exigência.
- Formação de equipe multidisciplinar: inclua diversas áreas e, se possível, consultoria externa.
- Mapeamento dos riscos psicossociais: identifique fatores como assédio, metas abusivas e falta de reconhecimento.
- Diagnóstico organizacional: use pesquisas, entrevistas e grupos focais para ouvir os colaboradores.
- Inventário de riscos: liste os riscos por área e seus impactos na saúde mental.
- Plano de ação: crie medidas preventivas, canais de escuta, apoio psicológico, políticas internas.
- Implementação: execute as ações com comunicação clara e envolvimento da liderança.
- Monitoramento contínuo: acompanhe indicadores como absenteísmo, turnover e afastamentos.
- Canais de suporte: ofereça apoio emocional com sigilo garantido.
- Capacitação constante: promova treinamentos regulares sobre saúde mental e cultura organizacional.
- Documentação completa: registre todas as etapas para fins de auditoria e fiscalização.
- Engajamento da alta gestão: a mudança precisa começar do topo para gerar transformação real.
Integração de ações
Não apenas na NR-1 o cuidado com a saúde mental do trabalhador é destacado. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pelas Nações Unidas com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para 2030, também tratam sobre a importância do equilíbrio entre o bem-estar físico, social e mental. Como forma de alcançar isso, há metodologias que podem ser utilizadas para a melhora do ambiente corporativo. Uma delas é o círculo de construção de paz.
Com experiência de 16 anos em cargos de gestão e 15 de treinamento de grupos, a palestrante e consultora Katiane Boschetti descreve que a dinâmica, além de melhorar no clima organizacional, pode servir como forma de fomento de uma segurança psicológica. Os círculos de construção, que vêm da Justiça Restaurativa e são utilizados na educação também, auxiliam na resolução de conflitos e no fortalecimento de vínculos. Em um ambiente controlado e com mediador, as partes podem buscar as melhores alternativas para uma resolução.

— Os círculos de construção de paz desenvolvem habilidades socioemocionais, como a empatia, como a autoconsciência, a autorregulação, que falamos em autorregulação, mas é o autocontrole, a motivação, tudo isso tem relação direta com as relações diárias da empresa, e também habilidades fundamentais para tomada de decisão, para uma comunicação assertiva e não violenta, e que impacta diretamente os outros fatores psicossociais — descreve a especialista em gerenciamento de conflitos e comportamento.
A metodologia pode ser utilizada de forma preventiva. O trabalho com o fortalecimento de vínculos, além de melhorar o clima entre colaboradores e lideranças, também podem melhorar a performance e produtividade de uma equipe, dando até mesmo mais confiança a todos.
— Quando eu me sinto mais segura, eu me sinto mais acolhida dentro do meu espaço, pelo meu líder. Por exemplo, me sinto mais à vontade para expor as minhas ideias, para perceber que eu não vou ser humilhada naquele ambiente. Tudo isso tem a ver com a NR-1 também. É importante também clarearmos que o problema não são situações de estresse. Inclusive, tem situações de estresse na nossa vida que nos desafiam a ser melhor, que nos fazem sair da inércia, por exemplo. A grande questão, e que a NR-1 traz também, é o tempo de exposição e a intensidade das situações estressantes — explica a especialista.
Bem-estar aliado à arquitetura
Ao lado de uma mudança de cultura das empresas, uma prática também pode ganhar espaço tendo em vista a atualização da NR-1. Trata-se de uma abordagem arquitetônica que pode impactar de forma positiva a saúde mental dos trabalhadores. Conhecida como wellness design, ela pode aliar soluções como iluminação adequada, ergonomia, conforto acústico, design biofílico e organização funcional no ambiente corporativo.
Na Serra, o conceito é trabalhado pela arquiteta Melissa Baron. A especialista conta que a prática vem ligada a um movimento de grandes marcas de "viver a essência", mostrando qual é a missão delas no mundo:
— Começamos a entender que o lugar que vivemos, tanto onde moramos como onde trabalhamos, pode ser um grande agente de cura, mas também pode ser uma das razões da nossa doença. E tem vários estudos de como o nosso cérebro reage a cada estímulo e como podemos trabalhar para o nosso cérebro reagir melhor.
Apesar de não serem adaptações obrigatórias, a arquiteta destaca como o espaço bem organizado pode melhorar o bem-estar. Melissa cita, por exemplo, o caso de uma iluminação mal direcionada ou a existência de ruídos externos no ambiente de trabalho, que inconscientemente podem cansar mais os colaboradores. Ao mesmo tempo, a especialista alerta que a adaptação do espaço deve andar ao lado de uma nova mentalidade:
— Temos que mudar os espaços e trabalhar a cultura da pessoa ao mesmo tempo.
Em Flores da Cunha, no escritório da Lavorotec Engenharia — que atua também com segurança do trabalho —, a arquiteta elaborou um projeto do novo ambiente baseado no conceito do wellness. Ele ficou pronto no ano passado. No espaço foram feitas adaptações práticas para melhorar o conforto, como iluminação adequada — como a antiofuscamento nas mesas de trabalho para conforto na leitura, divisórias acústicas para redução de ruídos externos, sistema de climatização para controle da temperatura, e a criação de um aconchegante espaço para o café.
A arquiteta também fez o uso de plantas na decoração. Como Melissa pontua, é mais uma forma de melhorar a sensação do ambiente:
— O verde acalma. Então, trouxemos um pouco aqui, que é a questão da biofilia. Muitas pessoas trabalham só com a arquitetura biofílica. Gosto de usar como um apoio. É mais um dentro dos meus pilares de wellness.
Ao mesmo tempo, Melissa manteve na decoração itens que fazem parte da história da empresa e da individualidade de cada um dos colaboradores, como um pequeno santuário em uma mesa ou as fotos da equipe ao lado de pilotos da Fórmula-1.
— Isso faz com que a pessoa se sinta parte. Não é só aquela foto da empresa que uma vez eles colocavam do campo fabril. Hoje, o foco está nas pessoas. Quem não entender que o foco está nas pessoas, ficou para trás — argumenta Melissa.
A equipe da Lavorotec atesta que as mudanças trouxeram melhoras na produtividade e na qualidade de vida de todos.
A arquiteta lembra que cada ambiente de trabalho deve ser analisado para adotar o conceito. Em alguns casos, uma mudança na iluminação ou em outra questão técnica pode fazer a diferença. Às vezes, como observa Melissa, pode ser apenas uma necessidade de organização — que é algo que pode ser trabalhado em casa.
— A organização é outro pilar forte. Ela nos ajuda a manter o foco. É um ponto que conseguimos fazer sem depender de um arquiteto. Por exemplo, podemos sentar na nossa casa, olhar e dizer, "poxa, isso aqui me serve para alguma coisa ou está só acumulando aqui?" — aconselha.