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O consumidor vai encontrar chocolates mais caros na Páscoa deste ano, em comparação com o ano passado. Com plantações de cacau do Brasil enfrentando dificuldades com o clima e, principalmente, com as pragas, e a matéria-prima importada da África em crise, com quebra de safra, fábricas da Serra observam um aumento de 150% na comparação entre a data comemorativa de 2024 e de 2025. A previsão é do presidente da Associação de Chocolateiros de Gramado (Achoco), Fabiano Contini, que representa profissionais e empreendedores do produto artesanal no município das Hortênsias.
As fábricas na Serra utilizam a matéria-prima nacional, que vem majoritariamente da Bahia. As lavouras enfrentam, desde o início do ano passado, uma crise com a praga vassoura-de-bruxa, conforme explica Contini.
— Muitos produtores caseiros de chocolate, aquele bem artesanal e caseiro mesmo, vão ter dificuldades. As nossas indústrias em Gramado vão entregar a Páscoa. Vai ter produto pra fornecer pra todos os consumidores. O produto mais caro, mas toda a parte de alimentação está mais cara — aponta Contini.
Mesmo com a alternativa de importar o cacau, o preço para o consumidor não mudaria. Isso porque, segundo Contini, o valor da matéria-prima africana subiu ainda mais que a brasileira.
De acordo com um levantamento do grupo de pesquisa independente Climate Central, publicado neste mês, os preços do cacau enfrentaram um aumento de 136%, entre 2022 e 2024. A análise indica que as mudanças climáticas que afetam o continente africano, onde 70% do cacau é produzido, contribuíram parcialmente para esta alta.
— O cacau de fora subiu muito mais do que o próprio brasileiro. Subiu muito em âmbito internacional — analisa o presidente da Achoco.
A pesquisa Climate Change analisou como as mudanças climáticas afetaram a frequência de temperatura máxima diária acima de 32°C em países como Camarões, Gana e Nigéria, entre 2014 e 2024. A maioria das áreas analisadas enfrentou, pelo menos, seis semanas adicionais por ano de calor limitante para o cacau. O estudo também pontuou a mudança nos padrões de chuva dos últimos 10 anos.
Para o desenvolvimento da planta de cacau são necessárias condições específicas de temperatura, chuva e umidade para que floresça adequadamente. Por isso, o preço, que é cotado como commodity na bolsa de valores, subiu significativamente em um ano. Nesta terça-feira (25), o cacau era cotado a 8,789 mil dólares por tonelada, cerca de R$ 50,776 mil.
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Impacto na qualidade do produto
O preço mais elevado do cacau pode impactar diretamente na qualidade do produto encontrado pelo cliente final em lojas e supermercados.
— Algumas indústrias têm o selo Indicação Geográfica (IG) de origem, que certifica que o produto tenha qualidade. Pelas notícias do mercado, estamos vendo que, hoje em dia, a maioria dos produtos de fora do Brasil e das grandes indústrias já não estão tendo tanto cacau (na composição). A maioria é "sabor chocolate". É isso que o consumidor tem que ficar atento, se realmente está comprando um produto de qualidade ou se está comprando um produto que tem simplesmente gordura hidrogenada e sabor chocolate — adverte.
Embora a entidade ainda não tenha a projeção de quantas toneladas de chocolate devam ser produzidas nesta Páscoa, a expectativa é de superar as 650 toneladas do último ano. A perspectiva é positiva porque algumas indústrias estão deixando de produzir o chocolate justamente em função da dificuldade em comprar o cacau.
— Nossa expectativa é muito boa. Não temos perspectiva de baixar o preço (do cacau). Acho que ele vai manter, até porque o cacau estava muito defasado. O produtor estava optando por outras culturas, em vez do cacau, que não estava dando mais para manter a produção — acrescenta.
Nos últimos anos, os Estados do Brasil responsáveis pela produção de cacau, como Bahia, Pará, Rondônia e Espírito Santo, sofreram com as mudanças climáticas. O excesso de chuva e a estiagem variam conforme a atuação do La Niña e do El Niño e causaram prejuízos para diferentes setores da agricultura, não só o cacau. Ao mesmo tempo, os padrões de temperatura foram afetados por episódios de calor extremo ou ondas de calor frequentes.
Aposta em novidades e readequação de embalagens
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Empresário no ramo de chocolates há 20 anos em Caxias do Sul, Márcio Ferronato observa que o aumento no preço da matéria-prima vem ocorrendo desde o final de 2023.
— O aumento intensificou durante todo o ano de 2024 e agora está complicadíssimo até de conseguir matéria-prima. Tem essa questão de quebra da produção e o consumo. É o quarto ano em que a gente tem mais consumo do que produção de chocolates. Os estoques mundiais baixaram bastante — analisa Ferronato.
Nessa Páscoa, os produtos terão um incremento de 40% a 50% no valor, em comparação com 2024.
— A matéria-prima, a manteiga de cacau, estava R$ 38 ao quilo no ano passado. Hoje já está R$ 200 — exemplifica.
Uma tentativa de driblar o aumento do preço do cacau foi estocar a matéria-prima até a nova safra. No entanto, a nova safra não veio acompanhada de diminuição no preço do cacau.
— A gente foi segurando pra ver o que aconteceria. Em fevereiro do ano passado, a gente pagou 6 mil dólares, mas a tonelada chegou ao pico de 12 mil dólares — relembra Ferronato.
Com esse aumento, a opção foi por diminuir o tamanho de barras de chocolate de 90 gramas para 40 gramas, mantendo o preço. Além disso, a empresa também optou por embalagens mais chamativas, que possam atrair novos clientes.
— A nossa venda vinha caindo desde a Páscoa passada. Então, a gente modificou nossas linhas, identificamos alguns produtos que não saem tanto e tiramos de linha. No Natal, a gente apostou em embalagens diferentes e vimos que deu resultado. Então, na Páscoa, a gente está tentando novamente. Conseguimos retomar as mesmas vendas no final do ano passado — comemora.
A preocupação com a crescente no preço do cacau também levou o empresário a buscar novos mercados, com opções de chocolate sem glúten e sem lactose, para públicos que consomem o produto sem se preocupar com o preço.
— No ano passado isso me tirou o sono. Mas a gente foi se ajustando. A gente vê uma procura muito grande de produtos sem glúten, sem lactose. Eu sou intolerante ao glúten e minha esposa à lactose. E a gente vê que se tiver que pagar mais caro, a gente paga. E quando se entra em uma vala comum do chocolate ao leite, entra a questão de preço. Nem sempre a qualidade leva a vantagem — afirma Ferronato.