Como aquecer a economia em uma cidade que depende do turismo de compras, mas não recebe visitantes? Há um ano, comerciantes e empresários de Guaporé buscam alternativas para esse impasse, causado pelos episódios climáticos extremos. Entre as soluções estão a busca por novos mercados e a aposta em vendas online.
O município de pouco mais de 25 mil habitantes foi duplamente impactado pelas enchentes. Em setembro de 2023, um dos principais acessos a Guaporé, a ponte entre Santa Tereza e São Valentim do Sul, na RS-431, sobre o Rio Taquari, foi levada pela enchente.
Neste ano, em maio, ao menos outras três conexões da cidade com diferentes regiões foram prejudicadas pelo aumento do nível dos rios e deslizamentos de terra. Exemplo disso é a BR-470, na Serra das Antas, entre Bento Gonçalves e Veranópolis, uma das ligações que permitia o fluxo dos visitantes até a cidade.
Nesse cenário, a Mostra Guaporé, tradicional evento do município que ocorre sempre em agosto, foi cancelada neste ano. A decisão foi baseada justamente na dificuldade de acesso ao município.
— O cancelamento foi feito quando a ponte em São Valentim do Sul foi levada, mas, com a piora deste ano, vimos que foi uma decisão certeira. Cerca de 70% do nosso público vem da Serra. São pessoas de Canela, Gramado, Bento Gonçalves, Garibaldi, Carlos Barbosa, Caxias do Sul que vêm comprar aqui. Não tinha como saber se conseguiriam chegar até Guaporé — argumenta o presidente da Associação Guaporé Pró-Eventos, Rodrigo Marin.
Sem garantia de fechamento de negócio, a organização da feira acordou com os 213 expositores, na maioria dos segmentos de confecção e joalheiro, pelo cancelamento da feira. Conforme Marin, a Mostra é a principal vitrine para que pequenos empresários de Guaporé conquistem clientes e consolidem vendas presencialmente, algo que não aconteceu neste ano.
— Sabemos que a venda diminui desde o ano passado. O percentual certo não temos, mas há relatos de pessoas que não aguentaram a situação e fecharam os negócios. Diante disse, resolvemos que a Mostra precisa ser realizada em 2025. O impacto negativo de não fazer o evento é muito grande e vai além das joias e confecções: é gastronomia, hotelaria, serviços. Vamos buscar alternativas para ter o evento no ano que vem – antecipa Marin.
Envio de mercadorias prejudicado afetou datas estratégicas
Os deslizamentos de terra e cheia dos rios em maio causaram um efeito cascata na economia de Guaporé. Com as estradas bloqueadas, o serviço dos Correios ficou prejudicado na cidade por, ao menos, 45 dias. Foi justamente neste período que as empresas guaporenses se preparavam para alancar as vendas de Dia das Mães e Dia dos Namorados.
— Foi um problema gravíssimo, com estimativa de perda de 40% das vendas no setor joalheiro. O segmento já se adaptou às vendas online, para diversificar a fonte de renda. Mas, no Dia das Mães, segunda data mais rentável do ano, os Correios não funcionaram – explica o presidente do Sindijoias, Auri Malacarne.
Segundo ele, a logística prejudicada fez com que a entrega dos pedidos para dentro e fora do Rio Grande do Sul atrasassem, e, em alguns casos, não fosse feita pela impossibilidade de chegar às lojas em que as peças seriam vendidas.
Conforme Malacarne, a situação começou a se normalizar em junho, quando estradas secundárias foram abertas. Agora, o setor busca recuperar o equilíbrio financeiro apostando tudo nas vendas do Natal.
— É data mais aguardada, mas ainda assim o cenário é incerto. Até porque o preço do ouro subiu e ainda temos dificuldades com o deslocamento das mercadorias. As vendas estão sendo feitas, mas o escoamento ainda está prejudicado. Se conseguirmos fechar o ano com as contas equilibradas, será ótimo — projeta.
Novos mercados e foco no comércio online
Apostar na venda para outros Estados foi o que manteve a Pasli Joias financeiramente estável no momento de maior instabilidade em Guaporé. A estratégia da empresa centenária, de ter como mercado consumidor as regiões Sul, Sudeste e Nordeste, foi o que garantiu as atividades ao longo de 2024.
— Há anos centramos nosso trabalho em Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outros Estados. A fase mais complicada foi justamente o envio das mercadorias. Por cerca de 30 dias precisamos ir até Casca e Passo Fundo para despachar os pedidos nos Correios dessas cidades — conta o empresário Carlos Pasquali.
Apesar das dificuldades em escoar a produção, a venda para as regiões fora do Rio Grande do Sul possibilitaram manter o quadro de colaboradores sem demissões.
Ampliar os negócios para além da Serra foi a solução que Marcelo Bresolin, empresário do ramo das confecções, encontrou para manter a produção. Segundo ele, a marca já havia se reposicionado para a venda online na pandemia. O passo seguinte foi buscar mercado para as lingeries e moda praia no norte do Estado.
— Nosso forte sempre foi Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Lajeado, Porto Alegre, todas cidades muito afetadas pela enchente. Com isso, nosso movimento na loja foi a quase zero nos primeiros 15 dias depois da enchente. Tínhamos pedidos agendados, então a produção se manteve. Mas precisávamos de novas vendas. Então, decidi apostar na região de Passo Fundo – conta Bresolin.
Hoje, a empresa atende além de Passo Fundo, Erechim, Carazinho, Ijuí, São Luiz Gonzaga, Santa Rosa e algumas cidades catarinenses. Segundo Bresolin, a reposição de pedidos permitiu ampliar a quantidade de colaboradores, o que indica um fechamento do ano com saldo positivo.
Situação atual das ligações com Guaporé
Conforme a Câmara de Indústria e Comércio (CIC) de Guaporé, mais de seis pontes que ligavam a cidade com a Serra, Vale do Taquari e Região Metropolitana foram danificadas pela enchente e desmoronamentos ocorridos em maio.
O acesso a Guaporé via Serra foi restabelecido com a retomada do funcionamento da balsa entre São Valentim do Sul e Santa Tereza, em agosto. Ainda, a liberação parcial da BR-470, na Serra das Antas, também tem facilitado a chegada ao município.
A prefeitura de Guaporé informou que os quatro pontos no interior que estavam bloqueados passaram por melhorias e estão liberados. A administração indicou que o projeto da ponte entre Guaporé e Anta Gorda já está licitado, sendo que o município e governo estadual farão o custeio da obra. A data de início não foi informada.
A reconstrução da ponte entre Dois Lajeados e Cotiporã, outro acesso que leva à Guaporá, será feita pelo Programa de Aceleração Pontes do Sul, que conta com aporte da CIC de Guaporé e da Associação Caminhos do Vale da Serra.
Já a ponte que conecta as cidades de São Valentim do Sul e Santa Tereza será construída por uma empresa mineira, que venceu a licitação. A obra será paga pelos governos federal e estadual. As obras na ponte de Anta Gorda, que interliga Guaporé com o Vale do Taquari, estão sendo conduzidas pela prefeitura anta-gordense.
Como chegar a Guaporé
A reportagem do Pioneiro percorreu o caminho de Caxias do Sul a Guaporé no dia 19 de setembro, uma quarta-feira. O trajeto de 123 quilômetros foi feito em três horas. Confira como foi:
- Partida da RS-453, Rota do Sol, sentido Garibaldi.
- No entroncamento da BR-470, no Trevo da Tela Sul, seguir no sentido Bento Gonçalves.
- Na BR-470, pegar a esquerda na rótula da RS-431, no sentido Faria Lemos.
- Seguir na rodovia por 24 quilômetros, até a margem do Rio Taquari.
- O embarque na balsa levou cerca de uma hora de espera e 10 minutos para a travessia.
- Seguir na RS-431, passando pela cidade de Dois Lajeados.
- Percorrer mais 20 quilômetros para chegar a Guaporé.