CORREÇÃO: O setor de estofaria da empresa Marelli tem 60% da mão de obra feminina, e não o de almoxarifado como publicado entre 7h e 13h30min de 22 de janeiro de 2024. O texto já foi corrigido. A informação incorreta partiu da Marelli.
No último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os dados revelaram que o Brasil tem 6 milhões de mulheres a mais do que homens. A pesquisa aponta que a população brasileira é composta por 104,5 milhões de mulheres e 98,5 milhões de homens, o que corresponde a 51,5% e 48,5%, respectivamente, da população do Brasil. Dados que se refletem no mercado de trabalho do país e, consequentemente, na Serra gaúcha.
A diretora-executiva do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Daiane Catuzzo, confirma que a força produtiva feminina vem aumentando ao longo dos anos. Atualmente, 27% da mão de obra do setor na área de abrangência dos 17 municípios do Simecs, entre as pessoas que trabalham na produção até a diretoria, são mulheres, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
— É um número baixo, mas, comparado à média nacional, que é de 23%, estamos acima. Quando visitamos as fábricas, percebemos principalmente um aumento do número de mulheres na indústria como um todo. Inclusive em cargos de gestão ou de diretoria. Muitas filhas estão assumindo os negócios da família. Isso também é uma transformação que vem acontecendo, mas acredito que é uma transformação que vai se dar ao longo do tempo — comenta Daiane.
A gente não vira a chave de uma questão de mercado, de um ambiente muito mais masculino, como a indústria, num piscar de olhos.
DAIANE CATUZZO
diretora-executiva do Simecs
Apesar da mudança recente, é importante entender que o processo pode ser a longo prazo, já que também é necessário mudar o pensamento do trabalhador, e não apenas do empresário.
— A gente não vira a chave de uma questão de mercado, de um ambiente muito mais masculino, como a indústria, num piscar de olhos. Hoje, temos o fator da tecnologia, que deixa o trabalho, quando se pensa em produção, muito mais leve. Então, para uma mulher atuar numa indústria, hoje, é muito mais tranquilo do que um tempo atrás, em que a maior parte do trabalho era braçal, e o homem tem muito mais força física do que a mulher — complementa.
Com a modernização dos processos e com atividades que aproximam a mulher da indústria, seja em cargos de gestão ou de produção, é fato que o pensamento de que o setor é um local masculino vem mudando, mesmo que a passos pequenos. O que antes já foi considerado tabu ou um impeditivo para contratação de mulheres, como a licença-maternidade e o cuidado com os filhos, hoje é visto por empresários como fator agregador, uma vez que as experiências de maternidade contribuem com o ambiente de trabalho e com o cuidado com processos e pessoas.
A maternidade acaba trazendo algumas vivências e experiências que nos transformam para melhor.
DAIANE CATUZZO
diretora-executiva do Simecs
— Não se pode generalizar dizendo que nossa a indústria mudou e agora acolhe toda mulher gestante. Eu acho que tem, sim, mudanças na sociedade que vêm nesse sentido de valorizar a mulher que é mãe. A maternidade acaba trazendo algumas vivências e experiências que nos transformam para melhor, no sentido de mais resiliência, mais força de vontade, porque a mulher tem uma família, um filho pra sustentar. E a comunidade, em geral, não só a indústria, vem entendendo que a maternidade faz parte do papel da mulher e que ela ajuda no processo, inclusive de transformação e, principalmente, de evolução da própria mulher — explica Daiane.
Ícone da indústria metalúrgica caxiense é mulher
Se engana quem pensa que na região da Serra a indústria metalúrgica nunca foi lugar para mulheres. Inclusive, um dos maiores ícones da área por aqui é mulher: Gigia Bandera. Natural de Monte Magrè, na Itália, Luigia Carolina Zanrosso Eberle, ou Gigia Bandera, como é mais conhecida, chegou ao Brasil em 1884, e com a família se instalou em Caxias.
Em 1886, o marido Giuseppe, então agricultor, comprou uma funilaria na Rua Sinimbu, em Caxias. Gigia atendia ao balcão, trabalhava na oficina como funileira, fabricando e consertando peças. É considerada pelas entidades representativas da indústria como uma mulher empreendedora, que impulsionou, desde a sua época, o desenvolvimento industrial regional. Atualmente, a maior distinção da indústria caxiense é o Mérito Metalúrgico Gigia Bandera.
— Já tivemos várias mulheres que exerceram um papel de destaque no mundo. Começando com a pioneira da indústria caxiense, a Gigia Bandera. Tem uma outra mulher muito forte na indústria que é a Elisa Tramontina, então, de certa forma, já tivemos, em alguns momentos, certo protagonismo que talvez na época nem era pensado dessa forma. Então, eu acho que é um processo, uma evolução, que vem caminhando com o ESG — complementa Daiane, citando a sigla do, inglês environmental, social and governance (meio ambiente, social e governança).
Outra mulher marcante na história da indústria caxiense é Amabile Zanandrea Stedile, esposa do empreendedor Francisco Stedile. O incentivo e a ajuda dela ao marido foram fundamentais, por exemplo, na aquisição da Agrisa (atual Agrale), onde Amabile desempenhou papel tanto na relação de proximidade com os funcionários, quanto acompanhando o marido em feiras e lançamentos.
Amabile também foi grande incentivadora de outros negócios do companheiro.
Aproximar as mulheres da indústria
Para tornar o ambiente industrial mais próximo e confortável para a mão de obra feminina, empresas da Serra têm investido em ações para valorizar experiências e promover trocas de ideias. Esse foi o caso da empresa de móveis corporativos Marelli, de Caxias do Sul, que hoje conta com 42% de mão de obra feminina no quadro de funcionários.
Ao todo, são 265 funcionários na empresa, mas o gerente de recursos humanos, Fábio Basso, garante que a gestão de pessoas é um dos pilares da corporação. Por isso, é importante valorizar talentos, independentemente de gênero, cor ou qualquer condição:
— Sempre trazemos como um pilar muito forte nosso valorizar os talentos, com isso, valorizar também a diversidade. Quando se olha para a sociedade como um todo, já tem mais mulheres no Brasil do que homens. Então, quando olhamos para os talentos que precisamos ter aqui na nossa empresa, olhamos para todos. É o talento e a competência, independentemente se é homem ou mulher. Isso faz parte da nossa cultura. A inserção da mulher no mercado profissional da Marelli acontece de forma natural — explica Basso.
Olhar para a mulher como profissional, mas também como mãe, esposa e amiga é uma das coisas que torna a seleção mais leve e diversificada, uma vez que, para a empresa, licença-maternidade ou folgas para cuidados com os filhos não são um problema, mas, sim, uma situação normal do dia a dia.
— Temos esse olhar de que, por muitas vezes, a mulher exerce o papel não só de profissional. Ela chega em casa e, por muitas vezes, é esposa e mãe. Compreendemos isso. Então, também se consegue entender com algumas práticas, como o banco de horas — explica o gerente de RH.
Dessa forma, a empresa enxerga a pessoa para além do profissional. Com a valorização da família e da individualidade das funcionárias, a Marelli mantém e atrai talentos para a corporação. Por isso, vagas que normalmente seriam consideradas mais masculinas em uma fábrica, como engenharia e metalurgia, recebem candidaturas de mulheres:
— Ainda existe uma questão cultural de dominância para vagas fabris, que ainda são consideradas masculinas. Mas, se hoje eu abrir uma vaga de operador de máquinas, por exemplo, a predominância é masculina, mas as candidaturas femininas têm aumentado com o passar dos anos. No setores de engenharia de produto, engenharia de produção, almoxarifado e logística, que antigamente eram vagas predominantemente masculinas, hoje já é diferente. Nossa estofaria é 60% feminina — destaca Basso.
Outra ação importante para aproximar as mulheres da indústria é o projeto interno "Mulheres no Mundo", em que as funcionárias participaram de encontros, durante o ano de 2023, sobre temas diversos, desde saúde mental até cuidados com estética e estudos.
— É um ambiente onde elas se sentem motivadas para crescer. Percebemos muito que estão ansiosas para estudar, para se candidatar a alguma outra vaga que possa aparecer. É o que uma empresa pode fazer para ajudar as mulheres: dar conhecimento. Elas usarem esse conhecimento como quiserem. Foram momentos bem legais. Trouxemos um pessoal especializado que falou sobre o papel da mulher, conhecimento, autoestima — comemora a gerente de qualidade e meio-ambiente, Fernanda Rusch.
Também conquistam espaço na gestão
Na empresa de móveis Bontempo, de São Marcos, além da mão de obra feminina na produção, o que chama atenção são as mulheres exercendo papéis de gestão. Uma quebra de paradigma que pode levar ainda mais protagonismo ao trabalho feminino na indústria.
Assim foi com a gerente-executiva da Bontempo, Rafaela Stedile, que há dois anos desempenha a função. Para a profissional, a escalada na função foi natural, mas a empresa também valoriza a mão de obra feminina em todos os setores, com cerca de 56% do quadro total de funcionários sendo mulheres.
— Além da produção, temos cinco mulheres nos cargos de alta gestão, que ao todo são 11. É um número importante — destaca Rafaela.
A gestora comenta que, no setor moveleiro, o cuidado feminino na produção é algo que faz a diferença, principalmente quando se fala em detalhes:
— Nos setores de acabamento e pintura, temos bastante mulheres, porque demandam muita atenção e cuidado, são setores mais detalhistas, onde as mulheres desempenham muito bem a função — garante Rafaela.
Predomínio em todos os setores da empresa
Ainda é difícil imaginar o ambiente fabril com mais mulheres do que homens, mas isso já é realidade na empresa Planeta Água, de Farroupilha, que produz filtros de água. Por lá, o índice de mulheres no quadro de funcionários é de 70% do total.
Apesar de ser uma indústria e do estigma social de que seria um ambiente masculino, a gerente de recursos humanos, Franciele Valer, destaca que os currículos recebidos quando abrem vagas são predominantemente de mulheres.
— É até difícil achar meninos para as vagas que a gente abre. Tem vezes que os setores pedem por mão de obra masculina e a gente demora mais para concluir o processo, porque chegam muito mais currículos de mulheres — conta.
Atualmente, são 140 colaboradores na empresa, sendo 98 mulheres, lotadas nos mais diversos setores: desde os administrativos, como marketing e recursos humanos, até aqueles mais pesados, como a linha de produção e operação de empilhadeira.
— Nosso propósito aqui é um trabalho feito de pessoas para pessoas. As mulheres têm um papel muito importante aqui, porque elas têm uma dedicação, carinho e amor ao natural, a questão familiar. Isso é muito legal aqui, mas sempre cuidamos de manter um equilíbrio, temos mulheres e homens. Faz com que o ambiente fique muito mais agradável e produtivo, porque as mulheres têm uma conexão com os detalhes e comprometimento — define a diretora e gerente de marketing, Graciela Pergher.
80% na produção e na gestão
Uma empresa que tem mais mulheres do que homens em papéis de gestão e com 68% mulheres na mão de obra da matriz e 80% mulheres na filial. Assim é a Simonaggio, de Garibaldi, especializada em talheres, itens para cozinha e bombas de chimarrão. Por lá, a mão de obra feminina é valorizada principalmente pensando nos detalhes e acabamentos das peças, que exigem atenção na produção.
As primas Débora, Gisele, Paula e Simone são da segunda geração da família, e agora comandam a empresa fundada pelos pais há 50 anos. No entanto, desde sempre a figura feminina esteve presente nos altos cargos da Simonaggio pela mãe de Débora, Célia Simonaggio.
— Era aquela coisa da mãe cuidar da casa e o pai trabalhar fora. Tínhamos tarefas domésticas para ajudar a mãe. Então, queríamos fugir das tarefas domésticas. E qualquer oportunidade que aparecia na empresa para executar algum trabalho nós vínhamos. Acho que era uma coisa meio que da cultura e de que queríamos fugir daquela coisa opressiva, de a mulher só ficar em casa. Nos impulsionou a sonhar com uma profissão, bem inspiradas em nossos pais — destaca Paula.
Na opinião das primas, Célia Simonaggio serviu como inspiração de como se portar na gestão da empresa, desde como se relacionar com o ambiente, que era predominantemente masculino, até ações de endomarketing e gestão de pessoas, como presentes em datas comemorativas:
— Ela foi uma guerreira. Administrava muito bem e conseguiu o equilíbrio entre vários homens em uma época que era mais difícil. A gente cresceu se espelhando um pouco no trabalho dela. Acabou sendo um exemplo para nós, na parte humana, da sensibilidade com as pessoas — relembra Paula.
Hoje em dia, além da gestão composta por maioria feminina, a mão de obra fabril tem grande participação feminina. Débora Simonaggio, diretora jurídica da empresa, afirma que tem tido grande aceitação contratar mulheres, mesmo sendo uma metalúrgica.
— Quando fui buscar os dados da participação de mulheres na empresa, eu sabia que era bastante, mas eu não tinha noção de que era tanto. Eu, particularmente, vejo que as mulheres têm muito mais flexibilidade. Elas conseguem se adaptar mais facilmente, conseguem se focar mais em qualquer situação... Eu vejo que as mulheres sempre fazem com muita competência — destaca Débora.
Meta de igualdade até 2030
No Brasil há 47 anos, a multinacional francesa Legrand tem como meta, até 2030, alcançar índices de igualdade entre mão de obra masculina e feminina em todas as unidades. De acordo com a diretora de RH da empresa, Kátia Cenzi, nos indicadores de responsabilidade social corporativa da Legrand foram estabelecidas as metas envolvendo a mão de obra, mas também as lideranças. O objetivo é alcançar, no mínimo, 30% de mulheres em cargos de gestão.
Atualmente, na planta de Caxias, são 59% mulheres no chão de fábrica, meta já superada seis anos antes do esperado pela corporação.
— A gente percebeu que a entrada de mulheres trouxe maior produtividade, diminuiu o número de retrabalhos, por exemplo. Então, isso ajudou bastante e mostrou também que a mulher pode ser colocada em qualquer local da empresa. Ajuda a desmistificar alguns fatos que sempre ocorreram. Na planta de Caxias, temos mulheres trabalhando na área de pintura, que é uma área predominantemente masculina — destaca Kátia.
Em relação às últimas contratações, ela destaca que a empresa conseguiu agregar muitas mulheres na área fabril. No entanto, Kátia afirma que a ideia é tornar o ambiente mais igualitário, com participação de mulheres, homens e imigrantes, por exemplo:
— Percebemos que o interesse das mulheres nessa área vêm crescendo. Temos internamente o programa Ellegrand, para incentivar a participação das mulheres em todas as áreas da organização. A proposta desse grupo é a igualdade para todos, trabalhar num ambiente que é igualitário.