Impulsionado pelas medidas de distanciamento tomadas em razão da pandemia, o formato de trabalho remoto - o chamado home office - permanece sendo adotado por empresas de Caxias do Sul mesmo após o fim da emergência sanitária. A avaliação entre funcionários e gestores das organizações é de que o modelo de trabalho a distância não trouxe prejuízos à produtividade e impactou positivamente na qualidade de vida das equipes. O desafio, agora, é manter os colaboradores engajados e motivados mesmo sem o contato presencial e a vivência diária no ambiente de trabalho coletivo.
No fim de 2021, a caxiense Metadados, que oferece soluções de tecnologia para a gestão de recursos humanos, delegou aos profissionais a decisão de como desejam cumprir a jornada de trabalho. A adesão ao formato remoto permanente ou híbrido chegou a 99% dos 300 colaboradores da empresa - os poucos que restaram seguem em trabalho presencial.
O espaço no bairro Cinquentenário possui três andares e conta ainda com os escritórios e estações de trabalho. Salas que antes reuniam 40 pessoas, agora estão praticamente vazias - cena comum durante os períodos mais críticos da pandemia, mas que segue na realidade das empresas em pleno 2023.
O local também segue disponível para aqueles que, mesmo em casa, desejam trocar o ambiente domiciliar pelo espaço corporativo.
—Antes da pandemia, eram casos pontuais de profissionais que trabalhavam de forma remota. Com a crise, todos foram para casa como medida de segurança. Quando fomos provocados a definir o formato de trabalho após o fim do distanciamento, não obrigamos ninguém a permanecer em casa e nem a retornar ao trabalho presencial. Demos liberdade ao colaborador, que já tinha toda uma estrutura dentro de casa — explica a gerente de RH da Metadados, Andréia da Silva, que trabalha no setor há mais de duas décadas.
Essa liberdade, segundo ela, foi possível porque a empresa aposta na confiança e na disciplina dos profissionais e avalia a produtividade dos times de forma coletiva e não individual. Cada profissional sabe o que precisa fazer para manter as entregas em dia e todos atingirem as metas. A avaliação até o momento é que as equipes mantiveram os mesmos padrões de produção e entrega de resultados observados em anos anteriores.
Segundo Andréia, esse indicador está relacionado à qualidade de vida dos profissionais, que ganhou mais protagonismo. Em home office, os colaboradores utilizam o tempo que seria de deslocamento até o trabalho, por exemplo, para realizar outras atividades, como ficar mais tempo com a família, estudar, se exercitar, entre outros.
Outro movimento adotado pela empresa vai no mesmo caminho: há um ano, os profissionais da Metadados não precisam registrar a jornada de trabalho em um sistema de ponto, como habitualmente ocorre nas organizações.
Apesar disso, enquanto gestora, as dificuldades desse modelo de trabalho remoto passam pelo engajamento e comunicação entre lideranças e liderados.
— O maior desafio, hoje, é promover a interação entre as equipes. A gente perde um pouco de conexão. Precisamos fazer muita cerimônia para ter uma conserva geral com as equipes, por exemplo. Antes, era só eu levantar do meu local e ir até o colega para tirar uma dúvida ou conversar. Hoje, preciso mandar uma mensagem e ver se ele está disponível. É algo que entendemos como necessário avançar para seguir melhorando os processos — explica.
Manter trabalhadores em casa também ajudou a resolver outros problemas: a falta de mão de obra. Atualmente, 37% dos colaboradores da Metadados são de outros Estados brasileiros (leia mais abaixo).
Reunião virtual diária para manter engajamento
Os 67 colaboradores da agência Macaw, de Caxias do Sul, também têm o poder de decidir se desejam cumprir a jornada de trabalho em casa ou na sede da empresa. Caso optem pelo trabalho presencial, precisam reservar um espaço por meio de um aplicativo, uma vez que há apenas 30 estações de trabalho disponíveis no prédio.
A indefinição sobre quem vai estar no ambiente coletivo a cada dia fez com que as equipes de RH elaborassem estratégias para manter os colaboradores engajados. Diariamente, logo no início da manhã, todos os profissionais se reúnem virtualmente para discutir assuntos do dia e relatar obstáculos que impeçam o andamento das produções.
As ações de marketing interno, por exemplo, são feitas em formato físico e online, permitindo a interação de todos.
— Não vemos prejuízos em manter as equipes assim. Na Páscoa, fizemos caça aos ovos na empresa e também adaptamos para o virtual. Os benefícios desse formato trazem benefícios, não sentimos redução nos nossos resultados e nem impacto nas entregas aos nossos clientes — avalia Natália Bernardi Valmorbida.
Setor de serviços e de tecnologia se adaptam melhor
Não há um levantamento de quantos negócios de Caxias do Sul e região adotaram o home office de forma permanente. Segundo a vice-presidente da ARH Serrana, Débora Brandalise Bueno, empresas prestadoras de serviço e ligadas à tecnologia e inovação conseguem se adaptar melhor ao trabalho no formato remoto do que outros segmentos.
Na indústria, responsável pela maior parte da economia caxiense, setores como RH, financeiro e vendas também flexibilizam o formato de trabalho, sendo poucos ou quase nulos os exemplos de home office permanente.
—Percebe-se um comportamento das empresas de forma geral muito mais aberto a possibilidade do home office. Algumas estabeleceram um ou dois dias na semana como opcional e essa autonomia para as equipes é sensacional, quando possível, sempre entendendo a natureza do trabalho — avalia.
Ainda de acordo com Débora, é necessário que as empresas fiquem atentas ao espaço onde o funcionário trabalha em casa, com atenção à saúde, bem-estar, definição de horários e também adotar estratégias de acompanhamento, comunicação e a própria vivencia da cultura organizacional – mesmo que o trabalho seja executado em ambientes diversos.
Para Florencia Del Carmen Nieto, diretora de Inovação e Tecnologia da Microempa, as empresas conseguem reduzir custos operacionais ao manter os profissionais trabalhando em casa, como economizar em despesas como aluguel de espaço, serviços públicos e suprimentos de escritório ao adotar o trabalho remoto. Por outro lado, existem desafios, como a necessidade de uma boa infraestrutura tecnológica.
— A viabilidade do trabalho remoto pode variar de acordo com a organização específica, suas necessidades operacionais, regulamentações setoriais e cultura empresarial. Muitas empresas estão explorando modelos híbridos, combinando trabalho remoto e presencial, para melhor se adequarem às suas demandas e maximizarem a eficiência —explica.
Desafios do trabalho remoto contínuo:
:: Comunicação e colaboração: a distância física pode dificultar a comunicação efetiva e a colaboração entre os membros da equipe, levando a mal-entendidos e atrasos na conclusão de projetos.
:: Cultura e engajamento: manter uma cultura organizacional coesa e garantir o engajamento dos funcionários pode ser um desafio quando não há interações presenciais regulares.
:: Equilíbrio entre vida pessoal e profissional: trabalhar em casa pode levar a uma maior dificuldade em estabelecer limites claros entre o trabalho e a vida pessoal, resultando em uma sobrecarga de trabalho e esgotamento.
:: Bem-estar e saúde mental: a falta de interações sociais presenciais e o isolamento podem impactar negativamente o bem-estar e a saúde mental dos funcionários, exigindo atenção adicional à saúde emocional.
Benefícios do trabalho remoto contínuo:
:: Flexibilidade e produtividade: o trabalho remoto permite maior flexibilidade nos horários de trabalho, o que pode resultar em maior produtividade e satisfação dos funcionários.
:: Redução de custos operacionais: as empresas podem economizar em despesas como aluguel de espaço, serviços públicos e suprimentos de escritório ao adotar o trabalho remoto.
:: Acesso a talentos globais: ao permitir o trabalho remoto, as empresas têm acesso a um pool de talentos global, não se limitando a contratar apenas localmente.
:: Sustentabilidade ambiental: a redução de deslocamentos diários para o escritório pode contribuir para a redução da pegada de carbono
:: Gerenciamento de desempenho: a avaliação e o gerenciamento do desempenho dos funcionários podem ser mais desafiadores quando não há interações presenciais regulares e supervisão direta.
:: Desenvolvimento profissional: o desenvolvimento de habilidades e o treinamento dos funcionários podem exigir abordagens diferentes e adaptadas para o ambiente de trabalho remoto.
:: Segurança de dados e tecnologia: garantir a segurança dos dados confidenciais e fornecer suporte tecnológico adequado para os funcionários trabalharem remotamente pode ser um desafio em termos de infraestrutura e políticas de segurança.
"Estar em casa ajuda a ter mais concentração", diz profissional adepta ao trabalho remoto
Um quarto do apartamento da associate product manager (uma espécie de gerente de produto) Caroline Lorensi da Silva se tornou o seu local de trabalho há mais de três anos. Todos os dias, ela acorda, toma café e dá alguns passos para chegar ao escritório, onde se instala para cumprir a jornada de trabalho diária.
Para se comunicar internamente, Caroline e os colegas usam um sistema interno para trocar mensagens. Quando sente necessidade de um diálogo mais demorado, combina com o colega para conversarem por uma ligação.
— A minha atividade exige muita atenção e silêncio. Estar em casa ajuda a ter essa tranquilidade, essa concentração. Mas eu socializo menos, tem colegas da empresa que não conheço. Por outro lado, ao me organizar, consigo adaptar outras funções. Faz bem dar uma pausa no trabalho e fazer coisas da casa, por exemplo, o que é possível quando estamos em home office — exemplifica.
A organização é um dos segredos para manter a produtividade no trabalho mesmo em casa. Feliz com a atividade remota, Caroline entende que conseguiu se adaptar porque estabeleceu regras. Ter um espaço reservado e estrutura para as atividades laborais facilitou, segundo ela.
— Não dá para trabalhar na mesa da cozinha — conta.
Entre uma atividade e outra, Caroline consegue parar alguns minutos para fazer um bolo ou para lavar e estender roupas, por exemplo, sem comprometer o andamento das tarefas. Para se sentir menos sozinha, ela ouve podcasts, dos mais variados temas.
— Precisa de profissionais com disciplina para funcionar bem em home office. Trabalhar em casa não é trabalhar o tempo todo. Se a pessoa não se adapta ao remoto, ela vai para a empresa, mas lá ela encontra uma solidão, porque a maioria das pessoas está a distância. É estar lá de home office, no ambiente da empresa, mas socializando com as pessoas como se estivesse em casa. Todo mundo está aprendendo a lidar com esse caminho — conta.
Mais tempo com a família
Com mais vagas para trabalhar em casa, crescem as chances de uma empresa local contratar mais mão de obra de fora. E quem já prestava serviço a distância quer continuar.
Morador de Paulínia (SP), o gerente de projetos Thiago Sampaio trabalha há seis anos para a Metadados. Antes da pandemia, ele conta que levava cerca de quatro horas por dia de deslocamento de casa até a filial da empresa.
— Trabalhar em casa me fez ganhar tempo, que antes era destinado ao deslocamento, mas agora é voltado para mim e a minha família — relata.
Permanecer em casa exigiu adaptação. No último ano, ao construir um novo imóvel, projetou um cômodo especialmente para trabalhar. No início e no fim do dia, consegue deixar a filha de três anos na escolinha - função que não poderia exercer se estivesse em formato presencial. Na empresa, ele lidera 10 pessoas, todas elas de Caxias do Sul e Porto Alegre.
— O único problema de trabalhar em casa é que a despensa de comida está muito próxima (risos). Fora isso, é algo muito bom, não penso em trabalhar de outra forma — contou.