A busca pelo aconchego no inverno é uma constante na vida do consumidor gaúcho. Embora o frio seja uma das particularidade geográficas mais características da região, mesmo para quem mora aqui a vida toda é difícil se adaptar ao despencar dos termômetros, comuns — historicamente — entre abril e agosto. Trata-se, afinal, também de uma condição de sobrevivência.
Neste ano, para muitos, o inverno trouxe uma peculiaridade bem-vinda: poder trabalhar de casa e não precisar enfrentar o frio do deslocamento até a empresa. Por outro lado, requisitou uma mudança de hábito de consumo, que iniciou desde o vestuário. Em vez de casacos ou opções de estilo, por exemplo, a preferência é apostar em vestimentas da vida doméstica: a malha para ficar em casa, o cobertor, a pantufa e o pijama.
Não só nesse aspecto. A economia do frio é uma cadeia diversificada, porém ligada pelo apelo ao conforto. Vai desde o cardápio, com maior adesão a massas ou comidas com mais "sustança", ao tradicional vinho ou café, ou até em modificações no próprio ambiente, com instalação de fogões à lenha, lareiras ou aquecedores.
Contudo, se por um lado a pandemia pode ter favorecido alguns setores pelo incremento no consumo doméstico, por outro, prejudicou segmentos que não conseguiram se adaptar a tempo às mudanças impostas de atendimento e que dependem da venda no comércio de rua. Já para quem conseguiu emplacar a comercialização em canais digitais ou tem a possibilidade de distribuir seu produto ao varejo, onde as restrições foram menos rigorosas, a crise nos números foi bem menor do que o impactado no macrocenário econômico.
— Com o comércio fechado, existem as vendas online, mas não é a mesma coisa como se tivéssemos as lojas abertas. Então, o consumo está muito tímido no comércio de rua. O e-commerce é caminho sem volta, quem pensou 10 anos atrás está colhendo os frutos neste momento. Já quem se adaptou agora talvez tenha mais dificuldade — avalia a presidente do Sindicato dos Lojistas de Caxias do Sul (Sindilojas), Idalice Manchini.
Estabelecimentos do vestuário foram os mais impactados, pois, além das limitações de funcionamento, precisaram lidar com a mudança do perfil do consumidor.
— O inverno é uma estação esperada pelos lojistas. É uma época muito boa para o comércio, puxa as vendas, tem maior valor agregado, casacos têm valor agregado muito maior. Porém, neste ano tivemos de mudar o tom da coleção. Em vez de voltar para eventos, para a festa, tivemos de voltar a coleção para dentro de casa, uma roupa mais confortável, mais uma linha home-office — acrescente Idalice.
Na margem de qualquer expectativa, como já abordado em edições anteriores do caderno e em reportagens do Pioneiro, o turismo, setor de tradicional projeção no período, está estagnado na região, afetando diretamente economia de municípios como Gramado, Canela, Nova Petrópolis, Cambará do Sul e Bento Gonçalves, além de toda a cadeia econômica dependente da demanda de visitantes.
É da natureza humana ter preferência, no inverno, por alimentos mais calóricos e em maior quantidade. Por isso, é comum, embora não recomendado por nutricionistas, que o consumidor deixe de lado legumes e verduras e opte por alimentações mais pesadas.
— Vendemos bem nesta época massas, sopa de agnoline, por exemplo, a galinha que faz o acompanhamento. Também temos maior procura por pinhão e bergamota, leite, café em pó. Mas nos mercados, o que mais sai é carne de porco. No final do ano, vende 10% do que vende nesta época de carne suína — destaca o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de Caxias do Sul, Eduardo Slomp.
Apesar da procura mais acentuada por itens específicos, Slomp afirma que os índices de vendas devem ficar nos mesmos patamares do ano passado.
— É a sazonalidade da época, e como os mercados não sofreram tantas restrições como outros segmentos, o consumo não mudou muito — comenta.
Outro produto bastante consumido na época é o vinho, cujo setor produtivo sequer vislumbra abalo econômico nesta crise.
— Neste ano, casualmente, a pandemia tornou o consumo ainda maior do que nos outros anos. Em contrapartida, temos um decréscimo no espumante, que por ser mais produto de festa, não existindo os eventos, houve queda. Mas considerando que a produção de vinho é muito maior, está fechando a conta — diz o presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Deunir Argenta.
O setor, estima o dirigente da Uvibra, registra incremento de vendas superior a 35% no inverno deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado.
Comidas pesadas e bebidas de inverno
É da natureza humana ter preferência, no inverno, por alimentos mais calóricos e em maior quantidade. Por isso, é comum, embora não recomendado por nutricionistas, que o consumidor deixe de lado legumes e verduras e opte por alimentações mais pesadas.
_ Vendemos bem nesta época massas, sopa de agnoline, por exemplo, a galinha que faz o acompanhamento. Também temos maior procura por pinhão e bergamota, leite, café em pó. Mas nos mercados, o que mais sai é carne de porco. No final do ano, vende 10% do que vende nesta época de carne suína _ destaca o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de Caxias do Sul, Eduardo Slomp.
Apesar da procura mais acentuada por itens específicos, Slomp afirma que os índices de vendas devem ficar nos mesmos patamares do ano passado.
_ É a sazonalidade da época, e como os mercados não sofreram tantas restrições como outros segmentos, o consumo não mudou muito _ comenta.
Outro produto bastante consumido na época é o vinho, cujo setor produtivo sequer vislumbra abalo econômico nesta crise.
— Neste ano, casualmente, a pandemia tornou o consumo ainda maior do que nos outros anos. Em contrapartida, temos um decréscimo no espumante, que por ser mais produto de festa, não existindo os eventos, houve queda. Mas considerando que a produção de vinho é muito maior, está fechando a conta — diz o presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Deunir Argenta.
O setor, estima o dirigente da Uvibra, registra incremento de vendas superior a 35% no inverno deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado.
"Um ano excelente"
Localizada em São Valentim da 6ª Légua, no interior de Caxias, a cantina Vinhos Vergani é uma pequena empresa familiar, mas com seu porte já acomodado à demanda e à produção consolidada em 47 anos de atividade. Ainda assim, sendo o inverno uma época primordial para a empresa, a pandemia preocupou, inicialmente, quanto a impactos imprevisíveis. Preocupação que acabou sendo reposta por uma elevação surpreendente nas vendas, mesmo para quem tem experiência de décadas de oscilação econômica.
— Pelo fato de o pessoal estar mais em casa, em família, acabam consumindo mais vinho. Acredito que, por isso, aumentou muito a nossa procura. Foram mais de 20% — releva Humberto Vergani, proprietário da Vinhos Vergani.
E o perfil familiar é justamente o público alvo dos produtos da cantina, que comercializa em especial os tradicionais garrafões. A vinícola produz em média 300 mil litros ao ano.
— Já passei (superou) o que faturei no ano passado. Empatando já estaria bem bom, considerando a situação que está, mas está sendo um ano excelente — comemora Vergani.
O vinho mais procurado na época é o bordô, de acordo com Humberto.
Redirecionando a empresa familiar
Antes da pandemia, o ateliê de massas artesanais Napoli, localizado no bairro Pioneiro, em Caxias, fornecia para 35 estabelecimentos, entre restaurantes e casas de eventos. Atualmente, a empresa reduziu o quadro de parceiros para cerca de 35% do que atendia até então, sendo que grande parte está fazendo encomendas quinzenalmente, em razão da diminuição da demanda.
Como forma de amenizar os prejuízos de quase 70%, o empresário Guilherme Pereira decidiu reformular o negócio, reforçando a venda para o consumidor final e a distribuição em varejos selecionados.
— Foquei em alguns sacolões e casas personalizadas de produtos coloniais com mais perfil ao meu produto. Até por não ter mais tanto essa relação de restaurante, acaba tendo essa saída maior no varejo, por isso resolvi trabalhar bastante com o consumidor final — comenta
Ainda assim, ele ressalta que a ideia é sempre manter a personalidade da empresa, que administra há sete anos, junto com a mãe, Ana Maria, que trabalha na produção das massas.
— Comecei atendendo mercados, mas é muito difícil continuar, pois a indústria baixa muito a questão dos valores, é difícil competir. O mercado propriamente dito, o pessoal que vai geralmente procura preço. Dava muita troca, acabei migrando para restaurantes e casas de eventos. Estou mais ou menos há quatro ou cinco anos trabalhando com restaurantes e casas de eventos. Não vendo só produto, mas também serviço personalizado, produzo de acordo com ideia do cliente e com meu conhecimento em culinária — afirma Guilherme.
Ao perceber o risco colocado pela pandemia para uma das melhores épocas do ano para o seu negócio, o inverno — quando o faturamento subia cerca de 30% —, o empresário também decidiu reforçar a produção de refeições no almoço e o serviço de delivery, que realizava desde outubro do ano passado, mas que recentemente viu deslanchar.
— Antes da pandemia, atendíamos somente delivery das massas, não produzindo pratos do dia, que num dia de maior movimento atendia seis a sete refeições, mas numa média de três pratos. Hoje atendendo com os pratos do dia, consegui alavancar um pouco estes números e, buscando parcerias com empresas, estamos atendendo uma média de 15 pratos ao dia. Pois a temática é produzir pratos do dia a dia, baseado num prato que é nutritivo e engloba todas as cadeias como carboidratos, grãos, proteínas e legumes — relata Guilherme, que desenvolveu molhos próprios para os pratos que oferece na modalidade delivery.
- Lareiras em alta
Após um início de ano promissor em vendas, Josoé Roberto Seminoti viu o faturamento de sua empresa, a Cassi Climatização, cair de R$ 143 mil em fevereiro para R$ 31 mil em março. A queda brusca foi motivada pelos dias parados e também pelo próprio susto do consumidor causado pelo surgimento da pandemia. Dois meses depois, entretanto, Seminoti é categórico ao avaliar o desempenho de vendas de maio:
— Nunca faturei tanto.
Naquele mês, a Cassis Climatização, cujo depósito localiza-se em Flores da Cunha e possui escritório em Caxias, gerou R$ 190 mil em comercialização. Entre os R$ 31 mil registrados em março e os R$ 190 mil de maio, o incremento é de mais de 500%. A alta inesperada e estável força que a empresa, que possui oito funcionários, expanda o quanto antes.
— A partir de abril, só teve crescimento, e vem se mantendo o faturamento. Estamos no mercado há oito anos e começamos lentamente, então é espantoso, pelo tempo de empresa e o estouro que deu, e numa época complicada. Assustou a gente. Tivemos de ir atrás de local em Gramado ou Canela porque não estou vencendo o atendimento, e terei de contratar pessoal. A pandemia veio, me trouxe receio e, no meio dela, explodiram os números. Agora ou eu invisto, ou fico para trás — ressalta Seminoti
No ano passado, a empresa faturou média de R$ 80 mil por mês. Em 2020, de janeiro até o final de julho, a receita já quase alcançava o total dos 12 meses do ano anterior.
— Muito dessa venda ocorreu porque a construção civil não parou. Conseguimos nos adaptar bem também à venda online, mas o principal mesmo é a indicação: 90% do nosso faturamento é fruto da indicação de um cliente para outro. Hoje a gente tem negócios à distância pelo whats, via site, muita indicação.
O produto mais vendido, segundo ele, é a lareira à lenha, seguido dos aquecedores para água e solar.
"Movimento surpreendente"
O aumento da procura recente também surpreendeu a Tecniarte Lareiras, empresa de Caxias especializada na fabricação de lareiras, aquecedores e fogões à lenha.
— Todos ficamos temerosos com a questão da pandemia, não sabíamos como seria o comportamento de consumo. Mas, com a chegada do frio, o movimento foi surpreendente. Maio, junho, não dá para reclamar — relata o gerente comercial Giuliano Pozzi.
Apesar de os últimos três meses terem sido melhores que o ano passado, Pozzi acredita que o desempenho geral de vendas deve ficar em patamares semelhantes aos de 2019, o que não avalia como negativo.
— O primeiro trimestre foi muito ruim, aí surgiu a pandemia e ficamos com bastante receio, mas, com o desenvolvimento dos últimos três meses, nós conseguimos equiparar ao ano passado. Acredito que vai manter os índices do ano passado, o que é bom, considerando a baixa que houve em outros segmentos — ressalta.
Lareira modelo canadense (à lenha), lareira a gás e fogão são os itens mais comercializados, aponta o gerente comercial.
Cenários diferentes no vestuário
Segmento bastante simbólico do inverno, as malharias, tanto industrial quanto varejista, sofrem baixas há anos em razão de diferentes aspectos, que vão desde a crise até a mudança climática, com invernos com dias de temperaturas baixas não tão prolongados.
— Eu estou no mercado há 32 anos. Inverno sempre foi carro-chefe, mas vem mudando porque o inverno em si vem mudando. Por isso, passamos a trabalhar mais com (opções de) meia-estação o ano inteiro e menos casacos de lã, por exemplo. Nesta época, vendemos peças mais aconchegantes ao corpo, malhas, blusas mais básicas ou mais grossas. Sempre vendemos bem em abril, maio e junho. Mas neste ano vendemos um terço do que vendíamos normalmente. A empresa vai fazer 30 anos e eu nunca tinha visto isso, tivemos queda de 70% nas vendas — lamenta Bianca Dotti Sartori, proprietária da boutique de roupas femininas Branca Rosa.
Verena Gauer, gerente da loja Ponto a Ponto, em funcionamento há 27 anos, avalia com dificuldade o dia a dia da pandemia, tanto em razão das restrições, quanto dos custos. A loja possui duas unidades na área central de Caxias e uma fábrica no bairro São Pelegrino.
— Está sendo bem difícil. As vendas caíram em torno de 50% ou mais em comparação ao mesmo período do ano passado. Viajávamos todo ano para comprar peças, íamos para Minas Gerais ou Farroupilha, mas neste ano não investimos em nada, ficou o que tínhamos dos outros anos e a produção que sai da malharia — relata.
Em âmbito fabril, os efeitos do mercado limitado também são sentidos. Porém, de acordo com Elias Biondo, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e Malharias da Região Nordeste do Rio Grande do Sul (Fitemasul), que abrange empresas do setor em 22 municípios da região, as vendas do inverno conseguirão amenizar de forma significativa os prejuízos do ano:
— O ano passado foi ruim, pois não tivemos inverno bom. E neste ano tivemos fechamento do mercado. Mas 2019 ainda deve ficar acima deste ano, apesar das condições climáticas mais favoráveis atualmente. O que podemos celebrar é só a queda não ser tão grande. Acreditamos que teremos queda de 20% no geral, isso porque o inverno vai amenizar, senão seria bem pior — projeta.
Homewear é preferência
Biondo destaca que as linhas mais voltadas ao uso doméstico estão despontando nas venda:
— Linhas como de pijamas acabam favorecendo pelo conforto. Já a linha mais fashion caiu um pouco, pois as pessoas não estão podendo sair de casa, frequentar lugares públicos, e isso diminui a pretensão de consumo. Portanto, quem vende roupas com apelo mais confortável para realmente ficar em casa é um segmento que não está aumentando a receita, mas se mantendo, o que é ótimo neste momento.
A percepção do segmento é consistente.
— Eu nunca vendi em 10 anos tanto pijama, mas, em contrapartida, os demais produtos vendemos muito pouco. Nos surpreendemos com o pijama, que é o que está nos salvando, e os chinelos. Mas a baixa nas demais (peças) é maior, e o faturamento deve estar uns 20% abaixo do ano passado — conta a proprietária da Despyndos Moda Íntima, Denise Spiandorello .
Segundo ela, no período de inverno foram vendidas em torno de 500 peças de pijamas, contra cerca de 300 no ano passado, um aumento equivalente a 66%.
Vendas online providenciais
Para Denise Spiandorello, proprietária da Despyndos, intensificar as vendas por meio digital foi primordial para amenizar os prejuízos da empresa. Embora trabalhe com Instagram e Facebook, ela destaca que o WhatsApp tem sido a ferramenta mais funcional para o momento.
— O Whats funciona bem legal, pois temos uma carteira de três mil clientes com cadastro e trabalhamos a divulgação com eles via Whats. Focamos no pijama, no chinelo e disparamos para os clientes a divulgação. Isso foi uma luz — reitera.
Por outro lado, Bianca Dotti Sartori, proprietária da boutique de roupas femininas Branca Rosa, afirma que os resultados das vendas digitais não são transformadores a ponto de compensar a comercialização presencial.
— Essas estratégias, como delivery, funcionam um pouquinho, são os 30% que eu consigo manter de faturamento atualmente na loja. As pessoas falam que têm de estar no mundo virtual, porém, as coisas não acontecem assim. Quem não estava, como a gente, não adianta agora achar que tudo vai se modificar. Somos realistas.
Verena Gauer, gerente da loja Ponto a Ponto, também reconhece que a falta de experiência com ferramentas digitais influenciou no desempenho contido das vendas online da empresa:
— Estamos tentando segurar de outras maneiras, vender através do WhatsApp ou delivery, mas tudo isso leva um tempo até chegar no cliente. É novidade, se tivéssemos usado esse tipo de plataforma antes com certeza estaríamos um pouco melhor.
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