Caxias do Sul não possui jazidas de minério de ferro. No entanto, concentra uma significativa cadeia de recicladores do material. A coleta em grande escala, inserida no contexto dos princípios de sustentabilidade, fornece matéria-prima para as fundições locais. André Barp, 48 anos, atuando há 20 anos no segmento, embora reticente com o alto custo para manuseio da sucata, mostra-se entusiasmado em poder colaborar com a limpeza do meio ambiente e ver o produto reciclável sendo transformado em diversos outros itens para os ramos automotivo e industrial.
Barp ingressou na atividade de reciclagem num momento em que Caxias do Sul aprimorou os procedimentos da aquisição e destinação da sucata. Até a década de 1970, predominava os carroceiros que visitavam pequenas ferrarias, serralherias e residências para adquirir a sucata em pequenas quantidades. Os chamados ferros-velhos compravam e vendiam para siderúrgicas de Porto Alegre. Nos últimos tempos, com um dinâmico e diversificado parque metalmecânico no município e região, ampliou a geração de grandes volumes de retalhos de chapas metálicas e cavacos de tornos e fresas nas usinagens. Os produtos domésticos como geladeiras, fogões, latas de conservas e de tintas também compõem o cenário montanhoso nos depósitos de sucata.
Na atualidade, para recolher e destinar o material ferroso ao mercado, é fundamental investir em veículos com caçambas que facilitam a recepção, armazenamento e a entrega do produto. Na empresa de Barp, as máquinas, com gigantescos braços hidráulicos, transferem as cargas da seção de armazenagem para os caminhões que enviam os resíduos metálicos às fundições.
Barp salienta que, no passado, o cavaco das usinagens não tinha importância no mercado. Em 2014, comercializou 7 mil toneladas de cavaco. Com a disseminação da consciência ambiental, as empresas começaram a separar este tipo de resíduo. O resultado está sendo satisfatório, pois o produto retorna para a indústria como matéria-prima.
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Para quem atua neste segmento, o desafio está na administração e aquisição de equipamentos específicos e de alto custo. Um caminhão com caçamba ou um guindaste com garra para manusear o material representa considerável investimento. O esforço também se concentra numa adequada compra de sucata, pois a venda para as fundições gira em torno de 20 a 70 centavos, conforme a qualidade do material. Outro grande empecilho é o custo do frete. Dependendo da quantidade e da distância, não é prudente fechar o negócio.
Para complicar, no ano de 2015, a retração no mercado atingiu as fundições. A economia afetou o processo. Se o mercado consome menos, os recicladores ficam restritos à ociosidade. Diante desta realidade, Barp se satisfaz em ser um defensor do meio ambiente, onde o ferro se constitui como um dos elementos mais antigos no processo de reciclagem, ao lado do papel e vidro.
Os primórdios das fundições caxienses
A história das fundições de Caxias do Sul origina-se na década de 1920. A empresa De Antoni e a Metalúrgica Eberle instalaram suas unidades com fornos aquecidos com carvão, atendendo demandas internas.
Em 1925, a De Antoni ficou reconhecida pela fabricação de trilhadeiras, atendendo o setor agrícola de cereais. Os equipamentos acionados pela tração animal usavam mancais, engrenagens e polias fundidas pela própria De Antoni. O empresário Julio De Antoni, que sucedeu seus ancestrais, aprimorou a seção de fundição, mantendo um rigoroso controle de materiais através de testes em laboratórios. Na década de 1990, a De Antoni marcava presença internacional, produzindo peças em fornos elétricos, com destino para General Motors dos Estados Unidos.
A Metalúrgica Abramo Eberle ampliou um complexo de fornos na unidade Maesa, em 1940. Naquela época, o Brasil vivia a crise do ferro ocasionada pela 2ª Guerra Mundial. Embora com grandes reservas de mineiros em Minas Gerais, nossa siderurgia vivia um momento de indefinições políticas e dependente da tecnologia dominada pelos americanos, europeus e japoneses. Hoje, a produção industrial e a constante renovação de maquinários propicia excedentes ferrosos.
Atualmente, além da empresa De Antoni (atual Fundifar) e Maesa (atual Voges), a Dambroz e a Tomé são as grandes consumidoras do reaproveitamento de ferro em suas fundições na região de Caxias do Sul.
Mentalidade ambiental na Tomé
Na empresa Tomé, a produção de tambores de freios exige um cuidado especial na compra de sucata. O gerente industrial, Olinor Carlesso, afirma que o consumo diário é, em média, de 80 toneladas. Conforme o empresário Humberto Tomé, a boa qualidade do material classificado chega a ser pago a 80 centavos por quilo. Este procedimento implica uma economia na hora de elaborar a correção da fundição. Com o apoio de um laboratório de metais, cada lote é verificado na composição.
Entre os corretivos utilizados pela empresa, estão relacionados carburante, silício, manganês, enxofre e cromo. Humberto Tomé salienta que sua atividade industrial possui um efeito positivo no respeito ao meio ambiente com a utilização do ferro velho. O irmão José Tomé, também consciente dos princípios da sustentabilidade, declara ser um luxo transformar a matéria obsoleta em produtos automotivos.
Consumo de aço na região
Com dados estatísticos válidos até 2014, anotados pelo Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), a produção de aço no Brasil atingiu 34,5 milhões de toneladas. As empresas ligadas ao Simecs absorvem 60% do aço consumido no Rio Grande do Sul. Odacir Conte, diretor executivo, destaca que este número corresponde a 3% do aço produzido no Brasil.
Conforme estudos especializados do segmento, que enfatizam a economia nos processos, produzir uma tonelada de aço com sucata consome apenas um terço de energia que seria aplicada para produzir aço com minérios de ferro. O reaproveitamento do ferro significa uma racionalidade e respeito com o meio ambiente.
Sustentabilidade
Empresas de Caxias apostam em reciclagem e transformam sucata de ferro em filão de mercado
Reaproveitamento do material representa racionalidade e respeito com o meio ambiente.
Roni Rigon
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