Ainda não foi desta vez que o aposentado João Curcz viu sua pensão de R$ 743 subir no mesmo índice do salário mínimo. Mesmo assim, com a votação de ontem na Câmara dos Deputados, João e outros 7,9 milhões de aposentados que ganham acima de R$ 510 poderão ter aumento de 7,72%, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mude de ideia e não vete a emenda aprovada.
O reajuste é inferior à alta de 9% em vigor desde janeiro sobre o mínimo, mas é vitória dos aposentados contra a proposta de 6,14% concedida pelo governo. O aumento real, descontada a inflação de 2009, é de 3,7%.
Para chegar no índice de 7,72%, o plenário da Câmara teve de analisar um festival de emendas.
O projeto de conversão do relator Cândido Vacarezza (PT-SP) já reajustava as aposentadorias em 7%. Mas a emenda do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), que eleva os benefícios em 7,72%, acabou sendo aprovada pela maioria do plenário, contando com a adesão de deputados da base aliada.
Horas antes, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi categórico:
- Vou recomendar o veto se o aumento for de 7%.
Paulo Bernardo, titular do Planejamento, também recomendou que o aumento seja vetado pelo presidente Lula. Segundo os cálculos da Fazenda, o índice de 7,72% representará um impacto de R$ 1,7 bilhão sobre as contas da Previdência.
A aprovação de um índice superior à proposta do governo foi mais um round na luta para manter o poder de compra das pensões de três em cada 10 brasileiros aposentados. De um lado, o governo sustenta que a elevação de apenas um ponto percentual nos índices de reajuste dos pensionistas que ganham acima do mínimo causa impacto de R$ 1 bilhão. De outro, sindicalistas e aposentados alegam que não há como manter a defasagem salarial que já chega a 51% desde 2003, segundo cálculo da Federação dos Trabalhadores Aposentados do RS.
Diferença entre dois índices é de R$ 11,59 ao mês para João
Aposentado desde 1981, Curcz protagoniza um caso exemplar: seu poder de compra despencou nos últimos 20 anos. Quando deixou de trabalhar, o metalúrgico ganhava o equivalente a 6,5 salários mínimos. Hoje, seu vencimento não chega a dois salários.
- O Lula foi quem nos enfunerou mais. Só no primeiro ano do governo dele foram 11% a menos que a correção do salário mínimo - reclama o aposentado, de 77 anos.
João Curcz se aposentou depois de 33 anos, seis meses e 10 dias de trabalho e de contribuição. Para ele, a diferença entre os índices aprovados pela Câmara e defendido pelo governo representam R$ 11,59 a mais no fim do mês. Pouca coisa, aparentemente. Mas não para ele:
- Qualquer real a mais ajuda. O que não pode é ficar perdendo sempre.
Próximos passos
1 A MP 475, que reajusta os benefícios de aposentados acima de um salário mínimo, ainda precisa ser votada no Senado antes de ir à sanção presidencial. Se for alterado, o projeto precisa voltar à Câmara para nova votação.
2 Depois de aprovada a MP, a decisão é encaminhada ao presidente da República.
3 O presidente pode manter a decisão integral da Câmara e do Senado, mas também pode rejeitar emendas que foram aprovadas em plenário. Se o governo vetar apenas a emenda que reajusta os benefícios em 7,72%, fica valendo o reajuste de 7% que consta do projeto de conversão.
4 Se o presidente mantiver a decisão da Câmara e do Senado, as aposentadorias serão reajustas automaticamente.
Votação também derruba fator previdenciário
Na votação de ontem, a Câmara dos Deputados também aprovou, por 323 votos a 80 e duas abstenções, a emenda do líder do PPS Fernando Coruja (SC) que acaba com o fator previdenciário.
Criado em 1999 no governo Fernando Henrique e criticado pelas associações de aposentados, o fator previdenciário leva em conta quatro elementos para o cálculo dos benefícios: alíquota de contribuição, idade do trabalhador ao se aposentar, tempo de contribuição à Previdência e expectativa de vida. Como a expectativa de vida muda a cada ano, o fator previdenciário acabou se constituindo como um redutor do valor das aposentadorias.
O fim do fator previdenciário já foi aprovado pelo Senado em 2008, mas o governo também deve vetar a emenda.
Governo tentou apoio da oposição
Os líderes da base governista decidiram apoiar o índice de 7,72% com medo do desgaste político em um ano eleitoral. Como o Senado já havia fechado questão por uma alta maior do que a proposta do governo, deputados temeram parecer responsáveis por achatar os benefícios pagos pela Previdência.
- Vamos votar com o Senado - revelou o líder do PSB, Rodrigo Rollemberg (DF).
Nos bastidores, a oposição demonstrou disposição em ajudar na aprovação dos 7% propostos pelo relator - desde que isso não resultasse em desgaste político para suas bancadas. Mas nem uma reunião com o ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, resolveu o impasse.
- O governo está enrolado - sinalizou Paulo Bornhausen (DEM-SC).
Durante a votação, a oposição tentou aprovar um índice de 8,7% de reajuste mas acabou derrotada pela base governista. O placar registrou 193 votos contrários e 166 votos a favor. Foi a senha para que os líderes reconhecessem a derrota e liberassem suas bancadas. A votação dos 7,7% acabou sendo simbólica.
Raio X
Os beneficiários:*
- Menos de 1 salário mínimo: 631.667 (2,36%)
- Igual a 1 salário mínimo: 14.707.811 (67,39%)
- De 1 a 2 salários: 3.596.997 (13,37%)
- De 2 a 3 salários: 1.956.269 (7,74%)
- De 3 a 4 salários: 1.492.992 (5,52%)
- De 4 a 5 salários: 866.481 (3,21%)
* As faixas não atingem 100% porque há casos excepcionais, como decisões judiciais, que obrigam a Previdência a pagar valores superiores.