

A arte modela os que a ela se entregam. E quando uma vida vira suporte do fazer artístico, emoldura um conjunto de intenções, uma trajetória de gestos, a razão de um sorriso expandido. Há duas semanas, na Galeria Zilá Spasso da Arte, em Bento Gonçalves, Anastácio Orlikowski flanava entre sorrisos, memórias e saudações pelo tempo transcorrido, a obra realizada, a força da arte transmutada. Aos 92 anos, ele saiu do Lar do Ancião naquele fim de tarde para brindar à vida e à arte que lhe deu e ainda dá vitalidade.
– O mais bonito, a razão de estar aqui é o valor da amizade. Esse, aliás, é o grande sentimento que a gente pode guardar – disse, delicada e pausadamente.
Pausas e delicadezas são um dos trunfos da trajetória deste artista que transitou por diferentes estilos, em fases distintas. Espaços de vida, carinhos nos jeitos de modelar, desenhar, gravar, pintar, entalhar, esculpir.
Também referendado como mestre na técnica da aquarela, Orlikowski tem centenas de obras espalhadas pela Serra, Brasil e Exterior, em acervos particulares e alguns espaços públicos. Entalhes em madeira seus estão na filial do antigo Banco da Província, em Pelotas e Livramento, no Clube do Comércio de Cruz Alta, no Caixeral de Santa Maria e na Adega Dreher, em Bento Gonçalves.Foi em Bento que ele, nascido em Porto Alegre e tendo vivido na Alemanha quando pequeno, resolveu fixar residência em 1978. Já havia se formado em Artes Plásticas na UFRGS em 1946 – foi destaque da turma, ganhando uma viagem a Buenos Aires – e trabalhado na Casa Masson.
– Minha avó, Michelânchelo Buonarroti e o (João Faria) Vianna, meu primeiro professor de desenho, que trabalhava na Editora Globo, foram minhas principais influências. O Vianna me ensinou a ver simbolicamente as coisas – lembra Orlikowski, carinhosamente chamado de Micki pelos amigos.
As lembranças e as tantas experiências com a arte contabilizam, mais do que tudo, a certeza de que foi ela que lhe deu condições de imaginar mundos e formas, de delirar esteticamente. É o que diz ter feito experimentando tantas técnicas, materiais e suportes de criação. Arte, para ele, é liberdade pura, permissão de invenção.
– A fantasia enriquece a vida. Através da arte, a gente acaba propondo isso em todas as coisas que nos chamam atenção – pondera o artista que formou novas gerações em Bento, quando foi professor de desenho na Fundação Casa das Artes.
Orlikowski analisa sua trajetória e pontua algo que, de alguma forma, espelha a condição do artista no mundo.
– A arte é sempre menosprezada, é menos valorizada do que merece. Mas a vida é assim. Quando já temos poucas lembranças dela, aí ela surge com força e se valoriza – reflete.Diante dos contextos adversos, teria sido o caso de desistir?
– A arte faz parte da gente. Mas essa pergunta sempre aparece... Há momentos em que a gente desiste. Mas isso é quando a vida desiste da gente – sorri outra vez, galhofando com o tempo.No fundo, o artista sabe mesmo ao que veio, o que fez e ao que se destina.
– Nunca enfrentei barreiras, pois a arte em mim brotou de dentro para fora. Com ela, sempre quis mostrar o quando eu me sentia feliz. A função da arte é a alegria de quem faz e de quem a admira – ensina o mestre Orlikowski, divertindo-se despudoradamente com a arte que lhe desenhou a vida, com a vida que virou arte:
– O que me resta é amor ao próximo. Ou às próximas (risos)... E viver até o fim.