Quando as luzes do palco principal do Mississippi Delta Blues Festival se acenderam, uma verdadeira "dança das águas" ficou visível. Apesar da beleza de cores refletindo nos pingos que caíam, a verdade é que a chuva atrapalhou um bocado. O barro se acumulou justamente no lado dos trilhos onde estavam três palcos repletos de atrações legais: o Railroad, o Truck e o Front Porch Stage. No Street Stage (localizado quase no mesmo espaço que abrigava o palco principal na edição passada) o calçamento da rua nunca foi tão bem-vindo.
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Realmente, a travessia entre os diferentes ambientes do festival ficou prejudicada com a chuva que, ora parecia que ia dar trégua e ora aumentava a intensidade dando a entender que São Pedro não é chegado em blues. Mas o fato é que a água não impediu que shows cheios de energia e inspiração marcassem a noite de abertura do MDBF 2013. O número de pessoas presentes não foi contabilizado.
Abrindo os trabalhos no palco principal, Sumito "Ariyo" Ariyoshi surgiu tímido atrás de um teclado que parecia simplório. Magrinho e vestindo uma roupa preta bem longe daquele figurino pomposo de terno e gravata que muitos blueseiros exibem, a imagem dele crescia mesmo por meio da música. O saxofonista da competente banda de apoio dividia o posto de vocalista com Aryo. Um dos momentos "intercâmbio étnico" mais bacanas que já rolaram no festival aconteceu justamente nesta apresentação, quando Ariyo entoou um blues em japonês e depois agradeceu com um sonoro "Arigato".
A segunda apresentação do palco principal trouxe um blues regado com rock (os solos com distorção falaram por si) e country. Cristiano Crochemore, gaúcho radicado no Rio, mostrou repertório próprio acompanhado da Blues Groovers. A partir do show deles, o público começou a chegar mais perto da grade que separava plateia e palco. É que bem naquele espaço, com a visão mais próxima dos artistas, não havia cobertura contra a chuva que insistia em cair.
J. J. Jackson repetiu seu modelito do MDBF 2008, um macacão verde estiloso. Se uma palavra pudesse definir sua apresentação, talvez essa palavra seria fofo. Rolou desde I Just Called To Say I Love You, a My Girl e Stand By Me - sem esquecer da palhinha de Azul da Cor do Mar, num português carregado de sotaque. O frontman deu show de simpatia, brincando com o público, incentivando beijos entre namorados e por aí vai. Vale destacar também a atuação do talento local Graziano Anzolin, mandando ver nos teclados.
Os shows rolaram com cerca de 40 minutos de atraso dos horários que haviam sido divulgados na programação, algo quase imperceptível num festival do tamanho do MDBF. Assim que as atrações do palco principal encerravam o show, os outros palcos abriam seus trabalhos, de forma bem sincronizada e mantendo viva a já tradicional "marcha dos espectadores", que saem praticamente todos juntos da frente do palco maior para buscar outras opções musicais sempre que uma apresentação termina.
Pela terceira vez no MDBF, Bob Stroger tomou conta do Street Stage em duas apresentações ao lado dos catarinenses da The Headcutters.
- Vocês já sabem que eu sou Bob Stroger e que eu sou o blues - disse o popular baixista, brincando com o fato de sua frase de efeito já estar um tanto batida entre os frequentadores do festival.
Ainda no Street, Fernando Noronha veio acompanhado da Black Soul, além da tradicional Fender descascada e da energia que lhe é característica _ solar daquela maneira enquanto caminha pelo palco e contorce todo corpo não deve ser uma tarefa tão fácil, mas é muito legal de assistir. No Front Porch, ou casinha, uma grata surpresa foi a banda Ladies and Tramps, com um belo conjunto de vozes e um instrumental sessentista bem bacana. O palco ainda abrigou apresentações de The Cotton Pickers e Renato Velho. No Truck, um dos destaques foi a apresentação instrumental vigorosa de Cokeyne Bluesman, com um timão espetacular de músicos. Na finaleira, rolou até uma versão malvada de Morte por Tesão, dos Cascavelletes (banda que Cokeyne integrou junto com seu baterista, Alexandre Barea). Passaram por ali ainda as bandas Sotom Blues e Delta Jam.
Voltando ao palco principal, depois de uma apresentação relâmpago de Álamo Leal, Marcelo Nova ocupou a cena para a alegria dos fãs que já entoavam o grito de guerra "bota para f*". Marceleza tocou várias canções da carreira solo, mas levantou o público mesmo com clássicos do Camisa de Vênus (rolou Hoje, Negue, Isso é Só o Fim, Cocaína, Eu Não Matei Joana D'arc e Simca Chambord) e da parceria com Raul (Carpinteiro do Universo, Quando Eu Morri e a saideira Pastor João), a maioria com roupagens diferentes, algumas mais puxadas para o blues, outras carregando no peso das guitarras. Mais do que ter sido um dos poucos repertórios da noite com canções em português, o bom é que vale a pena compreender as letras.
Acompanhado de um poderoso time que ele gosta de chamar de conjunto (entre eles o filho, Drake Nova, o que se pode chamar de um prodígio da guitarra), Marcelo Nova mostrou que está completamente em forma para o rock'n roll (seja com referências de Chicago ou da Bahia).
- Só estou fazendo isso há 33 anos aqui em cima - disse ele.
O festival continua nesta sexta e sábado, na Estação Férrea de Caxias.
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Siliane Vieira
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