Eu adoro as palavras que servem para condensar um significado ou uma ideia. Como ubuntu, de origem zulu que expressa generosidade: “sou o que sou pelo que nós somos”. Ou como o filipino gigil, bem menos solene do que o vocábulo africano, que se refere à vontade de apertar ou beliscar as bochechas de alguém. Ou os menos disseminados eiviitsi, estoniano que designa uma preguicinha moderada. Ou o divertido indonésio begadang, que é ficar a noite toda acordada conversando – pouco bom?
Há, também, as mais difundidas e filosóficas, como o zeitgeist. O termo alemão que significa “espírito da época /espírito do tempo”. Faz referência ao universo da cultura e da intelligentsia de um determinado período, capaz de produzir um certo tipo de pensamento ou obra comum. Como se a inteligência fosse um fenômeno coletivo, nacional e intermitente, como sugere um diálogo do filme Invasões Bárbaras, de Denys Arcand. Entre os exemplos, aparece a Grécia antiga, por volta dos anos 400 a.C., com produções de Eurípedes, Sófocles e Aristófanes, Sócrates e Platão. Ou na Florença do início do século 16, com Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael e Nicolau Maquiavel. Ou na Filadélfia, entre 1776-1787, época da declaração de independência dos Estados Unidos, com a reunião de John Adams, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, George Washington, Alexander Hamilton e James Madison.
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E a nós, o que nos resta?
Numa espécie de licença poética, se formos parar para pensar o que temos feito nos últimos meses, desde o outono, veremos que nosso espaço privado (nossa casa) ganhou uma dimensão pública. Passamos a interagir por telas, e nossas salas e bibliotecas tornaram-se um cenário compartilhado mesmo com quem não temos intimidade. Dá até para sugerir, em maior ou menor grau, que nossa casa virou o centro do mundo.
Passamos a ser meros observadores da ruas de Madri vazias ou do retorno dos movimentos nos pubs londrinos, mas sequer podemos frequentar um parque a quadras de distância. E, passados meses de incertezas, negação ou hipocrisia em relação ao “novo normal” (perdoem-me o clichê horroroso), paralelamente vejo crescer uma corrente voyeurista, já que a vida tende a se arrastar menos pelas redes sociais.
E aí entra um lugar (ou não-lugar?) gigantesco para a disseminação do ódio e das frustrações. Porque, além de tentar manter as aparências, muitas pessoas fazem questão de manter viva a síndrome do caranguejo, aquela de que quem está subindo é sempre puxado para baixo, para que todos fiquem no nível do chão.
No final das contas, no entanto, vai ser triste ser lembrado pelo que a pessoa detesta, implica, critica. É muito mais digno ser referenciado por aquilo que ajudamos a construir, pelo que apreciamos. Que sejamos definidos pelo que gostamos, não pelo que rechaçamos. Por termos uma vida e vivê-la de verdade, sem precisar exibir perfeição ou diminuir os outros para dar conta da nossa pequenez, ou, mesmo com sorte, que sequer precisemos esfregar nossa imensidão na cara de ninguém.