Conversava com uma senhorinha japonesa de 84 anos em um elegante café em Ginza, Tóquio, até chegar ao ponto dela ficar muito curiosa sobre o porquê de eu ter saído de tão longe para visitar o país em que ela residia. Expliquei meu interesse cultural e meus motivos e ela ouviu com atenção. Perguntei, então, como era viver lá e a senhora respondeu de forma singela, mas implacável:
– Acho muito bom, estou muito satisfeita, mas nunca vivi no Exterior para saber se aqui é melhor.
Eis a grande contribuição de uma viagem – que também ficou expressa na fala da senhora: é fundamental abrir a mente e se dar conta que as nossas percepções são apenas as nossas percepções, concebidas a partir de parâmetros culturais muito bem estabelecidos e relativamente limitados. Não são verdades absolutas. Não são a maneira certa de viver. São só uma em tantas possibilidades. E é difícil ver e até aceitar isso.
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Viajar também tem muito desse desafio. É preciso fazer um baita exercício de humildade para conseguir minimamente compreender o outro e para ser compreendido (aqui, nem trato do sentido filosófico), para entender nossos limites de comunicação e tentar não julgar a forma como as pessoas agem quando estão nas suas casas. Entender a forma como uma sociedade é estabelecida é rico e desafiador.
Para quem vive com regras brandas, é curioso demais ver ordem até nas calçadas, com o lado certo para quem vem e para quem vai. Foi interessante descobrir que a cultura japonesa prega que eles não devem levar os problemas do trabalho para casa, então fazem uma pausa no bar antes do retorno ao lar. Ou ver a falta de afetividade em público, apesar da doçura para lidar com os estranhos.
E há algo ainda mais profundo: os japoneses têm uma palavra própria no idioma deles, gaman, que expressa toda uma filosofia de vida e é ensinada inclusive em sala de aula. Gaman prega suportar o insuportável com paciência e dignidade. É considerado um sinal de maturidade e força e pressupõe manter questões pessoais, problemas e reclamações em silêncio – afinal, nunca dá para saber qual é, de fato, o tamanho do nosso problema se comparado com os dos outros. Em resumo, é uma espécie de conformismo forçado, que a mim provocou estranhamento.
Mas não é justamente esse o propósito? Ao sairmos de casa, seja para estudar em outra cidade, casar, morar sozinho, precisamos nos deparar conosco, com nossas capacidades e dificuldades. Aprender a lidar com limitações, comemorar cada pequena conquista. E olhar para o outro com mais cuidado e respeito. Cada qual está passando por alegrias e provações diárias, aqui ou acolá: o colega que senta ao lado, o vizinho, o parceiro de academia, o amigo da vida toda. O problema é que costumamos neutralizar o olhar sobre eles – e também sobre nós mesmos – o que dificulta para que possamos nos conectar com os outros e nos transformarmos, humildemente, para melhor.