Depois de ouvir por mais de hora o que os astros me reservavam, perguntei ao Nivaldo se, ao contrário de mim, alguém tinha um mapa astral que indicava um período de calmaria e poucas transformações. Sabiamente, respondeu-me que até poderia existir, mas quando as pessoas estão nesse momento, não pensam em fazer seu mapa astral. Conformam-se com a curiosidade. Rimos.
Não sei se é a vibração de Plutão, o Sol em Capricórnio ou a influência de Urano em Vênus, mas a vida, em alguns momentos, se impõe. E se trata de uma constatação interessante: não são todos os momentos em que estamos dispostos a olhar para dentro, para confrontar nossos desconfortos e melhorar o que incomoda em nós mesmos. Tampouco estamos constantemente alertas para reconhecer nossa potência interna. Quando decidimos encará-la, no entanto, costuma ser o início de uma nova história. Na dúvida, é melhor agir com prudência.
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Talvez por isso, e não por acaso, tenho andado com um palavra recorrente na cabeça: attraversiamo, que fica bem melhor ao ser dita em voz alta (risos). Além de ser sonora como quase qualquer oração pronunciada em italiano — tem língua mais bonita? – ela tem uma carga de transformação, como sugere a própria tradução “vamos atravessar”.
Se não me engano, ela ganhou popularidade na obra Comer, Rezar e Amar, de Elizabeth Gilbert, tendo sido escolhida como uma espécie de mantra pela protagonista ao visitar a Itália, ao buscar um novo sentido para a vida. Attraversiamo flerta com o desejo de arriscar, de buscar motivação no novo e, para usar uma expressão bem batida nos dias de hoje, sair da zona de conforto. Não que seja necessário jogar tudo para o ar e renunciar à segurança, às vezes pode ser suficiente só arrumar a casa, começar a organizar o exterior para fazer a ordem chegar, de mansinho, ao interior.
É voltar a sentir o frio na barriga, não se acomodar onde não merece ficar. É ter um desafio sempre em vista. É possível ter nele uma perspectiva tal qual a Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa, o conto que evoca a subjetividade, em que a travessia — menos pop do que o “vamos atravessar” — chama para si a alegoria do viver, a simbologia da existência e a possibilidade de escolha pelo desconhecido. Atravessar dá a possibilidade de se encontrar pelo caminho, de buscar alternativas no percurso, de seguir. Se é para frente ou para dentro, pouco importa. O que vale é o movimento consciente.
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