São os vivos do morto que fazem o morto viver, disse-me assertivamente, um entrevistado.
É bem isso: depois que a pessoa querida se vai, são as histórias compartilhadas que prolongam a passagem dela por aqui. E é tão bom lembrar com carinho de alguém, né? É tão alentador poder deixar boas impressões e histórias a serem divididas e capazes de provocar sorrisos nos outros, mesmo depois de muito tempo. E isso é tão natural que a gente nem pensa no contrário.
Mas, em outra das minhas incursões jornalísticas, conversava com Dona Itália, uma moradora de Santa Corona que havia completado 106 anos em abril de 2015, e ela – lúcida e ativa, capaz de cuidar do próprio gato, chamado Mickey – dizia que não gostava de comemorar aniversário. Ingenuamente, imaginava eu, que, a aquela altura da vida, todo o passar do tempo deveria ser celebrado. A senhora centenária me deu a real.
– Não é bom viver tanto, todo mundo que conheci já morreu – disse, resignada.
Ela já não tinha com quem compartilhar as vivências, além de familiares, como sobrinhos muito mais jovens. Para se ter uma ideia, ainda havia levas de imigrantes italianos chegando ao Rio Grande do Sul quando ela aprendeu a escrever o próprio nome. Por isso, leio com espanto a notícia de que uma empresa norte-americana, Alcor, situada no Arizona, cobra 200 mil dólares (cerca de R$ 650 mil) para congelar uma pessoa (que não tem probabilidade de melhorar, de acordo com a medicina) em nitrogênio líquido a -200°C e, assim, garantir que ela “volte à vida” assim que a tecnologia estiver mais avançada – no momento, é impossível. Neurocientistas, no entanto, não garantem que a prática seja possível.
E, se for, qual é a graça de “acordar” sozinho, sem ninguém para nos acompanhar na trajetória? E, pior, sem ninguém para nos lembrar quem fomos e mostrar que ainda vivemos nos outros.