Recém havia chegado à uma das cerca de 200 estações do metrô de Moscou com uma mala relativamente pesada. Passava da meia-noite e já na primeira tentativa de subir uma escada um senhor se aproximou e se ofereceu para carregar minha bagagem até o fim da escadaria. Tentei hesitar, mas ele foi rápido o suficiente para me ignorar. Não entendia uma palavra do que ele falava - tudo o que compreendi foi que ele era ucraniano e falava russo com um sotaque diferente. Disse a ele que eu era brasileira e ele também compreendeu. O mais interessante é que ele fez questão de me acompanhar por todo trajeto, para ter certeza que eu pegaria o trem certo - mesmo eu tentando explicar que, àquela altura, já havia me acostumado a ler o mapa e a acertar as estações. Mas ele seguia, convicto. Lá pelas tantas, comecei a desconfiar da boa vontade desse senhor. Não podia apenas estar querendo ser gentil.
O alerta acendeu por eu estar solita, viver em um país violento, que além disso, nem sempre (ou quase nunca) promove o respeito com as mulheres. E, sim, ele só estava sendo querido e se despediu quando percebeu que eu estava bem encaminhada.
Fiquei pensando em como nossas experiências pregressas acabam moldando quem somos, algumas vezes sem dar chance de nos lançarmos ao desconhecido com alguma confiança. Sem nos permitir arriscarmos, mudarmos de opinião. Nosso ponto de vista costuma ser encarado como 'o' certo, e tratamos de nos relacionar com pessoas que não nos tirem dessa zona de conforto.
Só que essa percepção, em vez de nos proteger (claro que serve para isso, algumas vezes) acaba nos limitando.
Vamos bancando nossas ilusões e certeza como quem prega um evangelho. Que bom que volta e meia aparecem carregadores de mala e servem como metáfora para observarmos nosso percurso até ali. E garanto: no final, dá uma baita alegria conseguir dividir o peso cotidiano (banal ou não) com alguém.