Na véspera do Dia Nacional da Consciência Negra — nesta sexta-feira, dia 20 de novembro — mais um corpo preto inconsciente. João Alberto Silveira foi assassinado por dois seguranças da rede de hipermercados Carrefour, em Porto Alegre. A morte se deu por espancamento. Dá pra ter noção do que é morrer de tanto apanhar? Quantos socos e chutes consegue aguentar um corpo de um homem adulto antes de entrar em falência? Não é uma resposta que eu tenha, mas sinto cada pancada aqui. E dói, dói muito!
Eram quase 19h quando Beto, como era conhecido, chamou a esposa para ir ao supermercado. Naquela quinta-feira, após trabalhar o dia todo como soldador, teve vontade de comer legumes e um pudim de pão. Eles teriam comprado os ingredientes e o jantar teria sido maravilhoso, se não fosse tão inseguro para uma pessoa negra sair de casa sem ser alvo.
Já com as compras feitas, algo aconteceu entre ele e a caixa, um desentendimento. Não importa o que Beto tenha feito, se uma brincadeira ou uma grosseria. Que fosse um crime, ainda sim, nada justificaria a rápida e fatal sentença dos seguranças do Carrefour. Há trâmites a serem seguidos em situações como essa, certo?
Ao invés da conduta correta, assegurada por lei, os seguranças preferiram levar um homem para fora da loja e matá-lo. Essa decisão tão facilmente tomada por eles é explicada pelo racismo silencioso que ensurdece cada brasileiro e brasileira. O racismo avaliza o racista a tolir uma vida, pois para ele aquela vida nada vale.
E, sabe, ninguém interviu. Aquele corpo em sofrimento, sendo surrado, e nenhuma pessoa se prontificou a socorrê-lo. Sério? Como conceber uma situação dessa? Temos leis, não somos bárbaros da idade média. Ou somos?
Um dos assassinos de Beto era um policial. Olha só como uma morte negra violenta sempre esbarra com a polícia. Não vou dar sentença, mas convenhamos que é muita coincidência ter sempre um policial/ segurança em pé ao lado de um corpo preto abatido no chão.
Há tempos que balas de revólver se perdem no vácuo e, estranhamente, acabam por encontrar uma pele negra pra fazer morada. Balas perdidas no Brasil não são tão perdidas, afinal. Analisando as estatísticas, entende-se fácil que quem se perdeu não foi a bala, foi o ser humano.
Aparentemente, não superamos nada. Não houve nenhuma evolução aqui por Terra Brasilis. Um século depois, ainda não é reconhecido de verdade a absurda covardia e desumanidade que foi a escravidão e, muito menos, as cicatrizes que ela deixou em cada um de nós. Não temos, enquanto nação, a dignidade de nos comover como o silenciamento e apagamento da história de todo um povo. Não temos a decência de entender que não basta ser racista, é preciso e urgente ser antirracista.
Mas, eis que novembro é o mês da Consciência Negra no Brasil. E, pra quem é essa consciência? Pra nós, população negra, é que não é. Temos plena ciência de quem somos, da nossa cor, da nossa história, do nosso valor. Quem precisa estar consciente de como funciona essa máquina social que amedronta, exclui, violenta e mata gente preta é quem é branco. E ponto!
Parem de nos matar! Infelizmente, aqui George Floyd morre aos montes todos os dias, implorando por piedade, como o Beto, que antes de morrer, olhou pra esposa e pediu: me ajuda! Já era tarde. E agora, quem vai pagar as compras dessa família no mercado?
Quando falamos sobre privilégio branco, somos açoitados por uma sem fim de "mas eu não sou racista". Ok, não é, mas se beneficia de uma sociedade que é.
E, no final, entendemos: privilégio branco é poder ir ao supermercado e sair de lá vivo.
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