— Mugnol, tu escreves ficção?
— Escrevo.
— Já publicaste?
— Escrevo, mas não publiquei ainda.
— Tu tens cara de quem escreve ficção...
Isso aconteceu anteontem, depois de um bate-papo sobre literatura e jornalismo. Enfim. Talvez tenha sido só um ato falho (Freud explica) ou quem sabe eufemismo. Talvez ele só quisesse me chamar de mentiroso. Quem nunca mentiu já está mentindo, dizia minha avó. Né, não?!
Conheci um pastor que pregava sem ter a revelação do mistério, misturando Jó com João Batista. Profecias de um fingidor. Tem ainda aquele padre que rezava missas, usando batina como símbolo externo de sua consagração, mas escondia um relacionamento amoroso e filhos pra criar.
A ficção sempre causa fricção, alimentando amores e ódios. Por vezes, até morte. Se eu publicasse aqui uma carta de despedida, intencionalmente suicida, tu acreditarias? Só pagando pra ver, né? Manda um e-mail que te passo meu Pix.
Outro dia vi um vídeo de um guri numa das redes sociais do Zuckerberg. “Pra quê escola, pra quê professor...”, dizia ele, ensinando seus parças a ganhar dinheiro vendendo sonhos pela internet. Quanto vale o cachê do roteirista?, pensei, deslizando o dedo em busca de um riso barato, de outro meme imbecil, retrato do nosso Brasil varonil.
Ah, só pra mencionar: a expressão "Brasil varonil" não está no Hino Nacional à Bandeira. Se bem que há gente que se confunde na rima, trocando “juvenil” por “varonil”. Nem precisa ir pro Google, cito aqui pra ti o trecho:
“Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!”
Juvenil. Nem perto do varonil que causa fulguras. É difícil competir com o roteirista do Brasil. Apesar dos lábaros estrelados e dos brados retumbantes, haverá sempre um plot twist, uma reviravolta, como aquele irmão caçula que desmentiu o irmão mais velho em rede nacional. Se espremer bem, não resta um berço esplêndido incólume.
E ainda tem gente que insiste na ficção como antídoto (do horror) da realidade. A realidade, meus irmãos, é tiro, bomba e guerra, desde que o primeiro humano resolveu separar as suas terras dos vizinhos. O resto é publicidade.
Ontem pela manhã, atravessando a rua, vi um senhor puxando um carrinho de feira. Estava quase vazio, nada além de hortaliças, um pão e uma garrafa de vinho. Suas costas arqueadas e o passo lento não sinalizavam a vitória da velhice sobre seu corpo, mas o peso das dores do mundo sobre seus ombros.
Enquanto caminha a humanidade rumo ao precipício, cabe aos velhos carregar dores e esquecer das memórias. Ficção ou realidade? Pouco importa. No final das contas, é através da arte que a gente atravessa abismos e montanhas.