Escrevo essa pretensa crônica ou ensaio (talvez só um desabafo) no domingo, horas antes de saber se Ainda Estou Aqui foi agraciado ou deixado de lado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Vencer o Oscar não é — e nunca será — mais importante do que revisar, reescrever e ratificar a história de um país. Até porque o Oscar já tentou silenciar gigantes do cinema que continuam mais importantes do que o prêmio (a lista é imensa, noutro dia te conto).
Por outro lado, o cinema, a música, a literatura, as artes visuais, a dança, o teatro, enfim, toda linguagem artística que houver por aí, não deve (ou não deveria) se render ou devotar atenção somente ao pressuposto histórico. Porque a arte é — e sempre será — maior do que a história de um país, justamente porque, em muitos casos, a confronta, esfregando o dedo nas feridas que a história teimar esconder.
Daqui 30, 40, 50 anos vamos continuar a falar do filme do Walter, um excelente diretor, a quem, particularmente admiro. Contudo, o filme não vai ultrapassar as décadas sendo citado como uma obra que rompeu padrões estéticos ou de linguagem. Vencendo ou não o Oscar, será sempre lembrado como o filme que expôs mais um capítulo triste da história do país — não só da família Paiva. Até porque, como escreve Marcelo, o filho, no livro que inspirou o filme: “A família Rubens Paiva não é a vítima da ditadura, o país que é”.
Contudo, daqui 30, 40, 50 anos vamos continuar a falar da obra do cineasta Glauber Rocha, não apenas porque seus filmes também foram celebrados pela crítica, em festivais como Veneza e Cannes. Nem só porque seus filmes abordavam a história de um país diversos e difuso como o Brasil, com suas idiossincrasias políticas, sociais, e toda sorte (e desgraça) de suas ambivalências. Mas Glauber será sempre reverenciado porque rasgou a cartilha do fazer cinematográfico. Glauber não é pop; Glauber é coquetel molotov.
Walter Salles, de Ainda Estou Aqui e Central do Brasil, é pop. Fernando Meirelles, de Cidade de Deus, é pop. Bruno Barreto, de O Que é Isso Companheiro?, é pop. Fábio Barreto, de O Quatrilho, é pop. E tá tudo bem. Cada um na sua vibe. Cada um pinta sua tela com as tintas que tem à disposição. Em tempos de batucada de Carnaval, contudo, recordar Glauber Rocha é “gozo fabuloso”, só pra citar Paulo Leminski, outro artista que tinha prazer por rasgar cartilhas.
Algumas das cenas dos filmes de Glauber, como Terra em Transe, Deus e o Diabo na Terra do Sol e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, flertam com a mise-en-scène carnavalesca, colocam pra dançar personagens duelando entre a realidade e a fantasia, o drama e o trágico. Há muitos filmes dentro de um só, como há muitos brasis, muitas ditaduras, muitos algozes e poucos heróis na Terra Brasilis.
Com ou sem Oscar, Walter é — e sempre será — pop. Enquanto que Glauber é coquetel molotov.