Quem vem de lá? Lá do lugar mais improvável? Quatro vidas distintas, a mesma narrativa, o mesmo peso, a mesma cobrança. Quatro sobreviventes do inferno. Quem vem de lá? Quatro jovens que o rap juntou.
Vida loka, mano. 6 de março de 2025. Um dia cravado na história, não à fórceps. Mas na força do ritmo e da poesia. Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, voz e alma do Racionais MC’s — o mais importante grupo de rap do Brasil —, entram num auditório lotado da Unicamp, em São Paulo.
Dessa vez, os caras não subiram no palco pra cantar. Foram receber um diploma que tem peso e quilate de ouro no mundo acadêmico, o título Doutor Honoris Causa. A honraria, uma das mais solenes que uma pessoa pode receber, é concedida a quem torna o mundo melhor, derrubando muros.
Na fita, a cena mostra a educação se curvando à cultura. Cultura no sentido de cultivo, de semeadura. No caso dos Racionais, cultivo à base de sangue, suor e lágrimas, de caras que não leram sobre a dura realidade das ruas em livros, mas que retratam a vida de uma pá de gente lá das quebradas do Capão Redondo e Vila Mazzei, ou das vielas em qualquer outra periferia mundo afora.
Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay receberam esse título da professora Nilma Lino Gomes. Ainda mais simbólico por vir de uma mulher negra que faz carreira na academia – raridade no Brasil. Nilma é graduada em Pedagogia, mestra em Educação pela UFMG, e doutora em Antropologia Social pela USP.
Conforme Censo da Educação Superior, de 2023, divulgado no final do ano passado, 26.151 negros e pardos concluíram o Ensino Superior. Em relação a 2012 é um aumento de 1.369,2%, já que pouco mais de mil negros e pardos haviam recebido diploma naquele ano.
— Atualmente, eu oriento uma doutoranda, a Melina Rocha, que está fazendo uma pesquisa sobre o impacto dos Racionais MC’s na juventude dos anos 1990, em Belo Horizonte. Eles têm produzido conhecimento que nasce e se alimenta da periferia. Muito obrigado pela existência de vocês — disse a professora Nilma, na solenidade.
Negro Drama, uma crônica áspera e cortante em forma de poesia, diz assim:
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural
Histórias, registros e escritos
Não é conto nem fábula, lenda ou mito
Não foi sempre dito que preto não tem vez?
Tem vez, sim! A revolução é pela cultura — versa o hip hop. No caso dos Racionais, a revolução é pelo ritmo e pela poesia, na batida por um mundo mais justo. Diz aí, Mano Brown:
Minha palavra vale um tiro
Franco atirador, se for necessário
Violentamente pacífico, verídico
Um salve a todos que cultivam a transformação social na força da cultura e da educação — com ou sem diploma.