Dia desses, num desses encontros casuais, um vivente, pra lá de Bagdá, do nada, me pergunta:
— E os Beatles, heim?
Observando que ele estava mais além de Bagdá do que à primeira vista e que ele vestia uma bela camiseta preta com as silhuetas em branco dos quatro garotos de Liverpool, respondi:
— Os Beatles, meu caro, estão na minha lista em quarto ou quinto lugar... talvez em sexto, dependendo do dia.
— Ah, não, véio...
Desapontado, me abraçou como quem perde um amigo em um trágico acidente e, sem se despedir, partiu mundo afora, tropeçando na tristeza, soluçando um choro amargo.
Exagerado? Talvez. Cada um lida com suas paixões de uma forma diferente. “Enquanto uns sofrem, outros vendem lenços”, diz o coach da última estação. Depois de uma desilusão amorosa, há quem desague em bicas, num soturno parto de dores e horrores. Outros, contudo, voltam pra casa, abrem a janela madrugada adentro e botam pra rodar, a todo volume:
Yesterday (love is all you need)
Oh (love is all you need)
(Love is all you need)
(Love is all you need)
Dois lados de uma mesma moeda. Cara ou coroa? Lado a, lado b? A vida não é assim tão simples, ou isso ou aquilo. Se bem que, na Era dos Extremos, de gente que discute pela cor de um boné (a onda do momento é azul ou vermelho), anda cada dia mais difícil sustentar um diálogo civilizado.
— Amo calor! Que fique sempre assim.
— Odeio calor! Saudades do inverno.
— Bem que a temperatura média poderia ser sempre de 15ºC.
— Ah, não né, muito frio! 22ºC, então.
— Ah, não, muito calor.
Ou ainda, o duelo de vizinhos que brigam pelas árvores. Um deles acha poético o mar de flores do manacá-da-serra adornando as calçadas. O outro, ao perceber que o vizinho que vê poesia em tudo saiu de férias, tomado pela raiva, ceifa a pobre árvore com uma motosserra, pra nunca mais ter de varrer do seu caminho as flores do manacá-da-serra.
E depois o insensível sou eu que fiz piada com o guri fã dos Beatles.
E durmam com essa: depois de War Pigs, do Black Sabbath, caíram as máscaras todas e não teve mais iê-iê-iê pra ninguém.
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Em tempo: obrigado ao Daniel Angeli e ao Bruno Tomé que me substituíram aqui nas minhas férias. Tô devendo uma dose de conhaque pra vocês.