*O jornalista Bruno Tomé assina a coluna interinamente
Quase em todas as manhãs, sem qualquer tipo de exagero, a mesma cena se repete. Por volta de 8h30min, a porta da garagem de uma casa abre e logo ali, bloqueando a passagem, está um carro desconhecido estacionado. Geralmente, alguém está dentro completamente vidrado no smartphone ou emburrado, quando não os dois. Às vezes uma buzina, às vezes uma batidinha no vidro com um gentil joinha para que o motorista saia da vaga proibida. A resposta mais frequente, por incrível que pareça, é uma expressão incomodada de como quem diz "por que preciso sair daqui?".
Talvez seja uma vaga muito concorrida. Talvez tenha algo especial ali, que apenas algumas pessoas podem ver, igual acontece naqueles filmes sobrenaturais. Carros alemães, chineses, japoneses, franceses, nacionais, até elétricos, não importa, todos parecem atraídos por essa vaga. O Toby, um beagle agitado de quase 17 quilos, com certeza já observou uma frota inteira estacionando ali.
O meio-fio amarelo e uma placa de "proibido estacionar" não funcionam. Talvez nem uma placa de "sujeito a abdução alienígena" funcione — talvez até atraia cada vez mais interessados.
O sangue sobe quando realmente parece que o motorista foi abduzido e desaparece. O que fazer? Procura nos vizinhos, procura no mercado, procura no bar, procura na farmácia e... Nada.
Há quem diga, "pega um Uber, não vai deixar de sair pra se incomodar". Parece uma ideia razoável para um caso isolado, ainda mais em tempos malucos em que qualquer faísca pode terminar em tragédia.
O problema é quando vira rotina, quase igual qualquer uma dessas séries de comédia em que os personagens precisam se reunir diariamente em um café ou num bar. Numa dessas semanas, o mesmo carro (porque nunca se descobriu quem é o motorista) teve a proeza de estar dois dias consecutivos ali. Por horas.
"Meu Deus, que atraso" e assim a decisão mais difícil precisou ser tomada: chamar a fiscalização.
É engraçado como se torce para que o proprietário chegue antes do guincho, apesar de todo constrangimento. Mas, francamente, que incomodação para quem está na garagem e para quem está ali, bloqueando a passagem.
O fiscal, quando chega, diz de forma completamente informal que a maioria dos chamados são para situações exatamente como essa. Um número quase inacreditável. Pode ser que seja apenas uma forma de dizer "olha, não é só contigo".
O guincho vem, o carro vai... Até o dia seguinte, quando mais um aparece. É cansativo.
Ou a falta de bom senso está dominando o mundo, ou estamos tão preocupados com nossos "mundinhos estranhos" — como diria Robin Williams, em O Gênio Indomável — que perdemos a capacidade de olhar para o lado, para frente e para todos os sinais que a vida dá.