Faltam 342 dias pra fechar a fatura de 2025. Acelera aí, porque num piscar de olhos tem ziriguidum de Carnaval, mais uma piscadinha e lá vem a procissão de Corpus Christi. Entre sonhos e pesadelos, o vinho, da mesa pro altar. Amanhecer pra zapear, curtir, clicar, compartilhar, tuitar no X. Antes de disparar o próximo zap, zelo, porque é quase tudo verdade.
Antes do fim, uma pausa no dia mais doido do ano. Hoje é o Dia Mundial da Liberdade (23 de janeiro). Enfim, pensei que poderia largar meu carro em qualquer canto, esquina, ou até mesmo sobre a calçada. Porque, com esse calor, toda sombra é disputada a preço da nova bitcoin. Todavia, o cara não tem sossego nem no Dia Mundial da Liberdade. Ao menor suspiro de liberdade, lá vem o fiscal de trânsito pra botar ordem no coreto.
Hoje acordei diferente, sabe?! Tomado por uma força incrível (seria efeito da nova medicação?). Me senti potente como o Hulk, motivado pra mudar o mundo. E tinha de ser hoje, no Dia Mundial da Liberdade. Saí de casa e pensei no fundamental: redistribuir riquezas.
No centro da cidade, entrei no primeiro banco que vi. Procurei o segurança que me orientou onde estava a gerente. Antes disso, explicou que era necessário retirar uma ficha. Sentei e aguardei.
Na televisão, a mesma velha notícia sobre o país X que invade o país Y, porque X acha que o território Y é seu por direito. Então, o país Y justifica que é soberano e livre. Por birra, X retruca dizendo ser ainda mais soberano e mais livre.
Depois de uns 20 minutos, muito simpática, a gerente me chama:
— Como eu posso estar lhe ajudando?
— Então, sabes que hoje é o Dia Mundial da Liberdade... — respondi.
— Não, não sabia... Interessante — diz ela, desinteressada.
— Por isso, quero sacar R$ 5 milhões.
— Olha, senhor... Como é mesmo o seu nome?
— Marcelo...
— Então seu Marcelo, por segurança, operações como essa, ainda mais em dinheiro, não são mais autorizadas. Podes me dizer qual é o seu CPF para eu estar verificando o que posso fazer?
Depois de digitar meu CPF no sistema, indignadíssima, ela pergunta:
— O senhor não é cliente do banco?!?
— Não...
— E por que é que o senhor achou que poderia estar retirando R$ 5 milhões? Ainda mais sem ser cliente do banco?!
— É só hoje. Prometo...
— O senhor só pode estar brincando...
— Minha senhora, é que hoje acordei de um sonho intranquilo com o Raul me dizendo: “Faça o que tu queres, pois é tudo da lei”.
— Não estou entendendo nada, senhor... Posso estar lhe ajudando com mais alguma coisa?
— Pelo jeito, não... Nem no Dia Mundial da Liberdade o cara pode fazer o que bem entende.
— Papo doido esse — diz ela, rindo de nervosa.
Saí de cena pela direita como fazia a Pantera Cor-de-Rosa. Frustrado, despido da fantasia do Hulk, saí cabisbaixo. As metamorfoses estão em extinção. Antes do fim, o dólar cai e a bolsa sobe. E o preço do quilo da uva? O cara não pode nem etiquetar o preço que bem entende.
— Livre, meu filho, só os sabiás — diz um velho cego pedindo uns trocados na porta do banco.