
Depois da classificação do Grêmio sobre o Juventude com um gol irregular no último sábado (1º) tem surgido uma tentativa de relativizar o que aconteceu no estádio Alfredo Jaconi. O argumento é o seguinte: o Ju foi beneficiado por um pênalti sonegado em Porto Alegre e aqui o time da Capital foi beneficiado com um gol ilegal (isso para aqueles que admitem isso, pois alguns ainda insistem que não teria sido jogo perigoso e falta no lance).
Então, nessa visão, estaria tudo certo. Igualdade e 0 x 0 no prejuízo para ambos, e vida que segue. Com todo o respeito, essa argumentação é muito simplista, beirando o cinismo.
Quem diz isso não leva em conta a gigantesca ficha de prejuízos da arbitragem às equipes do interior do RS. O que aconteceu não é caso isolado e não pode ser resumido nesse “banca paga e banca recebe” de dois lances em dois jogos. Há uma carga histórica envolvida neste processo, onde uma banca raramente recebe e outra paga com muita frequência.
Logo após o episódio, Francisco Michielin, historiador do Juventude, providencialmente lembrou do Campeonato Gaúcho de 1921. Para resumir, naquela ocasião o Ju estava classificado para a final do torneio, mas um canetaço da Federação eliminou o clube caxiense por suposta inscrição irregular de um jogador, em uma época em que todos eram amadores. O beneficiado, vejam só, era o Grêmio, que levou no tapetão e pode então conquistar o primeiro estadual para a Capital. Um episódio que ocorreu há mais de cem anos, mas o roteiro parece atual, não?
Avançando no tempo, já onde a minha memória alcança, lembro de 1990, onde o Grêmio conseguiu um suado empate com o Caxias no Olímpico, com um gol no fim de um jogo decisivo, onde a bola e o goleiro grená foram empurrados para dentro da goleira, e obviamente não foi marcada falta. Ou da semifinal do Gauchão de 1991, onde o juiz Silvio Oliveira inventou um pênalti no Jaconi a favor do Inter e teve que ir embora dentro de um camburão.
Mais recentemente, é impossível não lembrar a “tortura” das imagens pelo VAR para justificar um pênalti contra o Caxias, em 2023, ou o pênalti não marcado em Gilberto ano passado na Arena, quando o Juventude ganhava do Grêmio. Enfim, são tantos e tão escabrosos casos que daria para fazer uma lista gigante, o que até não é o caso. Mas é o tipo de coisa que precisa ser dita, para desmontar o argumento de que os erros são normais, isolados, e que um justifica o outro. Não, não justificam, e o futebol do interior foi prejudicado de novo, como tem acontecido há décadas.
Alguém pode dizer que é choro de perdedor, e contrapor: se é assim, como Juventude e Caxias conseguiram ser campeões em 1998 e 2000? Ocorre que a passagem do tempo tende a apagar algumas coisas.
Eu acompanhei como repórter os dois títulos e vi a quantidade enorme de patifarias que foram feitas para impedir que os caxienses vencessem (um dia pretendo contar essa história). Os títulos só vieram porque os times de Caxias eram muito melhores que os adversários e no apito estava Carlos Simon, no auge da carreira. Não fosse a presença do maior árbitro que o RS já produziu, que depois somou três Copas do Mundo no currículo, tenho dúvidas se as coisas correriam do mesmo jeito.
Também posso ser acusado de clubismo, pois o caso envolve o Juventude. Quanto à isso, reforço que falo do futebol do interior como um todo, e a lista de clubes prejudicados em momentos capitais vai muito além da Dupla Ca-Ju. Além disso, proponho uma reflexão, comparando com o que acontece quando chega o Campeonato Brasileiro e Grêmio e Inter enfrentam clubes maiores como Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras. Neste momento a balança se inverte, e o histórico de prejuízo aos gaúchos é evidente. Aí dói, não?
Juventude e Caxias fizeram o que podiam no Gauchão. Está feito e a vida segue sim, mas é preciso que fique claro: aconteceu de novo, e a história de garfadas ganhou mais um capítulo. Não dá para minimizar ou passar pano.