
As comissões do Senado da Itália começaram a analisar nesta quarta-feira (23) as 106 propostas de emenda ao Decreto-Lei 36/2025, publicado pelo governo da primeira-ministra Giorgia Meloni no dia 28 de março e que alterou as normas para reconhecimento da cidadania italiana jus sanguinis (por direito de sangue). Muitas destas sugestões, cujo prazo final para apresentação era a terça-feira (22), trazem alterações significativas à norma.
Há indicativos de que ajustes podem acontecer na lei, e essa tendência é reforçada pelo fato de que mesmo partidos da base têm apresentado ideias de mudanças, sendo que 24 propostas vieram deste bloco. A Lega, uma das três agremiações mais importantes da coligação que comanda o país, apresentou uma emenda que autoriza o reconhecimento mesmo que o solicitante não tenha nascido em território italiano, bastando que um dos pais ou avós tenha a cidadania. Essa sugestão ameniza um pouco os critérios, mas na prática ainda significa uma restrição considerável aos direitos dos ítalo-brasileiros, pois a maioria tem antepassados italianos mais distantes, como bisavós ou trisavós.
Já aos partidos de oposição apresentaram 76 emendas. De acordo com o deputado Fabio Porta, membro do Partito Democratico (PD) e um dos três representantes da jurisdição da América do Sul no parlamento italiano, a agremiação foi responsável por 42 propostas, e foca em mudanças mais profundas. Segundo ele, as primeiras sugestões vão no caminho de suprimir artigos que bloqueiem a transmissão da cidadania por sangue.
Além de corrigir injustiças, ele entende que esses ajustes poderiam prevenir futuras contestações jurídicas, já que evitariam que direitos adquiridos fosses desrespeitados. Apesar de a oposição ser minoria, Porta acredita que declarações de alguns membros dos partidos de situação (Fratelli D'Italia, Lega e Forza Italia) dão esperança de que as mudanças possam ser aprovadas, o que seria importante para reduzir os danos que o Decreto-Lei 36 causou na imagem do país.
— Existe uma movimentação dos partidos principais que apoiam o governo. Então é possível, principalmente se pelo menos um desses partidos apoiar de forma determinada, que haja modificações. O estrago feito pelo decreto já é muito grande, não somente na questão da lei, mas na imagem da Itália em nossas comunidades no exterior. Espero que o governo entenda e tente ao menos modificar e limitar os danos já feitos — argumenta o deputado.
Após passar pelas comissões, o projeto vai ser votado no plenário do Senado italiano, possivelmente entre 06 e 08 de maio, e depois vai ser encaminhado para a Câmara, onde precisa ser aprovado até o dia 27, para não caducar. Porta avalia que pode sobrar pouco tempo para debate entre os deputados, o que aumenta a importância de incluir mudanças no texto que vai ser avaliado pelos senadores.
O parlamentar admite que a lei de cidadania da Itália precisa de atualizações, especialmente para evitar abusos e fraudes. Mas isso deveria passar por um debate que levasse em conta os direitos dos ítalo-descendentes, que no entender dele foram desrespeitados pelo decreto e pelo jeito com que as coisas foram colocadas pelo governo. Porta ainda aponta a necessidade de a Itália, um país em rápido processo de envelhecimento e de declínio populacional, aproveitar o potencial humano e cultural dessa população que vive no exterior:
— Estamos na contramão da história. A Itália não tem matérias-primas ou grandes commodities, mas temos essa comunidade no exterior, que é o maior petróleo que poderíamos ter. Somente quem não conhece essas raízes no exterior pode fazer o que foi feito nos últimos tempos, que é cortar laços e vínculos.
Fabio Porta é italiano de nascimento, mas por questões profissionais se radicou em São Paulo em 1998. Desde então atua em questões que envolvem as relações com a Itália, tendo sido eleito deputado no parlamento italiano em 2022. Além dele, os outros dois representantes eleitos pela comunidade italiana residente na América do Sul são o deputado Franco Tirelli e o senador Mario Borghese. Ambos são de origem argentina, e também têm se manifestado contra o decreto que limita a transmissão da cidadania italiana.