O mais sangrento combate da história gaúcha, a Batalha do Pulador completa 130 anos nesta quinta-feira (27). O fato aconteceu no interior de Passo Fundo, no norte gaúcho, durante o período da Revolução Federalista. Cerca de 4,6 mil homens se envolveram na batalha, divididos entre maragatos (federalistas ou monarquistas) e pica-paus (republicanos ou legalistas).
A movimentação das tropas — que costumava ser encenada por grupos tradicionalistas da cidade — explica o motivo para Passo Fundo ter se tornado o palco do combate. Conforme o historiador Djiovan Carvalho, em junho de 1893 os grupos adversários já haviam se enfrentado em menor proporção em Três Passos, no início do mês (local que, à época, era território passo-fundense). Depois disso, juntaram forças em localidades vizinhas.
— Os republicanos haviam se organizado em Cruz Alta e seguiam na direção de Passo Fundo. Já os federalistas se juntaram com outros que desciam de Santa Catarina e também se encontram em Passo Fundo. Eles desfilam na cidade e seguem até o Pulador. Por lá acampam e é aí que encontram o grupo rival. A tensão estava no ar. Quando chegam os republicanos de outro lado, a batalha de fato acontece. É um momento significativo no contexto da revolução porque é quando grandes forças se encontram e se debelam.
O autor passo-fundense Ageu Vieira, que escreve um livro sobre a Revolução Federalista, cavou detalhes da batalha. Segundo relato de um general recolhido na Biblioteca Pública Nacional, os republicanos escolheram o distrito de Pulador estrategicamente.
— Naquela altura já estava certo de que os grupos iam se enfrentar. Foram as tropas legalistas (pica-paus) que escolheram enfrentar dos maragatos em Pulador, pelo terreno. Lá era alagado e os maragatos lutavam basicamente com estratégia de guerrilha e a cavalo, que ataca e recua, então em terreno difícil os cavalos seriam inúteis — conta.
Pelo menos 800 mortos
O plano até deu certo, mas não para reduzir a perda de combatentes: foram cerca de 800 mortos na batalha, o que faz o fato ser lembrado até hoje pelo número de vidas perdidas. Os grupos se enfrentaram por cerca de seis horas, em trama que só terminou depois do fim de munição nas armas de ambos os lados.
— Hoje seria notícia internacional e, naquele contexto da época, era muito maior. Nem a Revolução Farroupilha, que foi uma grande epopeia na história gaúcha, foi tão grave. A batalha foi muito decisiva para o desfecho final: em menos de 60 dias morreu um dos grandes líderes maragatos e aí desmantelou o exército revolucionário — completou Vieira.
A memória do fato, porém, não deve ser lembrada a partir de uma perceptiva positiva, aponta Carvalho. Na época, o contexto era de divisão ideológica entre as famílias e muitos perderam parentes em nome do poder que almejavam:
— Hoje nós estamos neutros neste processo, mas quando aconteceu foi extremamente doloroso para quem vivia. Foi uma comoção grande de todos os lados, ficou uma memória coletiva dramática. Irmãos mataram irmãos pela disputa de poder. Então penso que as comemorações devem ser reflexivas, nos levar a pensar na questão dos extremos: a que ponto as ideias são levadas ao extremo, pela disputa de poder.
Livro conta detalhes inéditos da batalha
No livro Lenço Vermelho de Sangue, da editora paranaense Appris, Ageu relembra a Revolução Federalista do início ao fim, trazendo recortes históricos e fatos inéditos. Entre os destaques da obra está um documento que detalha o dia de um dos líderes da batalha, o general Gumercindo Saraiva.
O texto, recuperado por Vieira na Biblioteca Pública Nacional, foi escrito após a Batalha de Pulador e relata detalhes das estratégias da equipe antes do encontro em Passo Fundo.
— Todos os generais publicavam na época para informar o andamento da coisa. Neste, ele conta detalhes sobre a estratégia, o que o impediu de avançar, e relata que os grupos chegaram a ficar muito próximos de um enfrentamento corpo a corpo. Ele também conta da jornada ao lado do general passo-fundense Prestes Guimarães — relata o autor.
A obra concorre ao prêmio Jabuti de Literatura e deve ser lançado na bienal de São Paulo no dia 8 de setembro. Apesar da participação na feira, o livro já está disponível para compra online.