Um posto de gasolina localizado às margens da RS-129 se transformou em abrigo em Dois Lajeados, no Vale do Taquari. Dezenas de famílias recorreram ao local para se abastecer de informações sobre as perdas deixadas pelo excesso de chuva no RS: o espaço é um dos poucos que possuem gerador de energia e acesso à internet — pelo menos por enquanto.
Na regiões gaúchas da Serra e Vale do Taquari não para de chover desde a madrugada da quarta-feira (1º). No município de Dois Lajeados, que em setembro não teve problemas por conta da chuva e recebeu pessoas desabrigadas, a situação agora é diferente: desde a manhã da quarta, não há energia elétrica e a única fonte é nos poucos locais com geradores.
O município está em boa parte ilhado. O acesso a Guaporé, que ficou obstruído por deslizamentos e quedas de barreiras, foi liberado no começo da tarde de quinta-feira (2). As estradas seguem trancadas nos caminhos que ligam Dois Lajeados a Vespasiano Corrêa, Santa Tereza, Bento Gonçalves e Veranópolis.
Com a chuva, muitos condutores de carros e caminhões precisaram parar na cidade e ali permanecem até que as estradas sejam destrancadas. No posto, os estoques de combustíveis reduzem minuto a minuto, uma vez que a fila para abastecer já chega na rodovia.
Quando o óleo para os geradores acabar, o Hospital de Dois Lajeados parará de funcionar (situação que tende a acontecer também em Muçum). Apenas uma operadora de telefonia está operando na região. Se a torre ficar sem energia, Dois Lajeados se tornará mais uma cidade incomunicável. Esse último cenário pode apenas ser evitado com a desobstrução de vias e volta da energia.
Mas, além dos clientes, no posto de combustíveis também param pessoas de todas as partes do RS para acompanhar o que está acontecendo. Quem é da região vai trocando informações sobre amigos, conhecidos e localidades. Alexandre, um motorista de Arroio do Meio, uma das cidades afetadas pelo excesso de água, relatou que teve a casa levada pela chuva e perdeu praticamente tudo. Mas, segundo ele, o pior é não poder estar com a família nesse momento.
— A minha família está isolada e a minha casa já foi toda para baixo da água. Eles estão a uns 10 a 15 metros para cima da casa, dentro do carro. Está a minha esposa Sueli, a Francieli e a Ketlin, dentro do carro. Não tem como sair. E a água está subindo. Estamos desesperados porque não tem como chegar em casa, estamos sem banho desde terça-feira de tarde. Não temos caminho para ir embora. Está difícil — relatou.
Alguns caminhoneiros transportam carga viva, como frangos, e estão preocupados com a possibilidade cada vez maior da morte dos animais. A todo momento, procuram local pra deixar as aves. Cargas de leite também enfrentam incerteza sobre a possibilidade de chegar ao destino. Milhares de litros devem ser jogados fora, segundo outro motorista.
Como está a situação em Muçum
Até o momento, não há como chegar em Muçum, o município do Vale do Taquari que vive a terceira enchente em menos de um ano. Às 7h da manhã de quinta, a cidade já estava debaixo d'água, vendo o Rio Taquari subir metro por metro. As poucas informações eram repassadas pela assessoria de imprensa e pelo prefeito, Mateus Trojan. Em um vídeo, o gestor pede ajuda externa, que os suprimentos e resgate cheguem através de aeronaves, pois não há como alcançar a cidade pelas estradas.
Alguns moradores de Muçum saíram de casa assim que vieram os primeiros sinais de chuvas intensas e o Rio Taquari começou a subir. O destino foi Dois Lajeados, em um hotel que, em setembro, recebeu algumas das famílias afetadas pela inundação. Agora, quem está nesse hotel acompanha a tragédia de longe, sem poder fazer nada.
Em Muçum, a desobstrução das barreiras que caíram na RS-129 pouco terá efeito. A rodovia tem um trecho em que uma cratera abriu e a pista precisará ser refeita. A única forma de chegar lá é com trabalho emergencial no interior. Enquanto isso, a cidade está 80% debaixo d'água em meio à previsão de mais dois dias de chuva intensa.
Até o momento, há 27 mortes e pelo menos 29 desaparecidos. Pelo menos 8,3 mil pessoas estão fora de casa e mais de cem municípios registraram estragos. As principais regiões atingidas são a Metropolitana, Central, Vale do Rio Pardo, Vale do Taquari e Serra Gaúcha. Confira a cobertura completa em GZH.