Separadas por 130 quilômetros, duas cidades do norte gaúcho estão nos extremos das taxas regionais de alfabetização. Lagoa dos Três Cantos, com 1,7 mil habitantes, é a cidade com o maior índice: 98,61% da população sabe ler e escrever. O município aparece também no 18° lugar entre os 20 melhores em todo o país. Do outro lado está Lajeado do Bugre, de 2,6 mil habitantes e 87,99% da população alfabetizada — percentual abaixo da média estadual, de 96,89%.
No RS, o primeiro lugar fica com Westfália, município de 3 mil habitantes do Vale do Taquari que tem 98,95% da população alfabetizada. A cidade é a segunda melhor colocada no ranking nacional, só atrás da catarinense São João do Oeste (99,1%). Lajeado do Bugre, por sua vez, fica na posição 494 entre os 497 municípios gaúchos, só antes de Gramado dos Loureiros (86,70%), Tunas (85,05%) e Lagoão (83,64%).
No recorte da Região Norte, Lagoa dos Três Cantos fica na frente de Nova Boa Vista (98,35%), Victor Graeff (98,04%), Marau (98,02%) e Casca (97,77%) (veja no gráfico abaixo). Segundo a secretária municipal de educação do município destaque, Ires Fath, o índice é impulsionado pela adoção de plataformas de ensino, escolas integrais e acompanhamento pedagógico no turno inverso ao da aula.
As medidas, conforme ela, foram determinantes para melhorar os índices educacionais em Lagoa dos Três Cantos, principalmente na volta da pandemia ao ensino presencial. Atualmente, 220 estudantes estão matriculados na rede municipal de educação.
— Temos a formação continuada dos profissionais, estrutura de psicóloga, psicopedagoga, nutricionista, além de professores dedicados aos alunos com deficiência intelectual. Um trabalho importante que desenvolvemos foi no turno inverso, com foco na alfabetização, para reforço principalmente no 1° e 2° ano do Ensino Fundamental — destaca a secretária municipal.
Maior cidade da Região Norte, Passo Fundo ocupa o 7° lugar entre as 20 melhores no ranking de alfabetização, com 97,54%. A cidade faz parte do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, que tem o objetivo de assegurar que 100% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2° ano do Ensino Fundamental.
— Nós fazemos acompanhamento pedagógico nas escolas em que o índice de alfabetização esteja mais baixo para entender e melhorar esse fator. Também estamos atentos às faltas, para que as crianças não deixem de frequentar a escola, porque isso impacta de forma direta no processo de aprendizagem — reitera a secretária adjunta de Educação, Angelita Scottá.
O outro lado
Em Lajeado do Bugre, os idosos figuram o maior índice de pessoas analfabetas: 57,58% da população com 80 anos ou mais passou pelo processo de alfabetização, enquanto 61,1% das pessoas com 75 anos ou mais são alfabetizadas. Questionado, o poder público do município afirmou que está ciente da situação.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação, a cidade intensificou a Educação de Jovens e Adultos (EJA) desde 2014 e há turmas e profissionais para atender o público que não pôde ir à escola quando jovem. Além disso, o município diz que tem três escolas municipais e uma estadual, onde desenvolve projetos em tempo integral.
Conforme a doutora em Educação e professora da Universidade de Passo Fundo (UPF), Rosimar Squinsani, a questão econômica está diretamente ligada aos índices escolares, uma vez que há associação entre o cotidiano do aluno e a sua permanência na instituição de ensino. Para ela, os dados do IBGE apenas tornam explícito aquilo que é vivido no cotidiano.
— A alfabetização é multifatorial, então depende de recursos pedagógicos, de ambiente, de estrutura familiar, de recursos para que o aluno estude fora da escola. É muito provável que um estudante que tem uma condição econômica melhor tenha um processo de aprendizado melhor. Além da questão econômica, pode haver relação de raça ou gênero — pontua.
Em Lagoa dos Três Cantos, por exemplo, 93% das pessoas se declaram brancas e 6,7% não-brancas (pretos, pardos ou indígenas). Enquanto isso, Lajeado do Bugre tem 60% da população autodeclarada branca e 39,7% não-brancos.
Segundo a pesquisadora, a melhora no processo de alfabetização depende de dois fatores: o início e o fim do processo, isto é, manter o aluno na escola e mitigar o problema quando ele chega analfabeto à idade adulta.
— A criança precisa se sentir bem acolhida, com merenda e acessibilidade, ele precisa logo no inicio se sentir bem na escola, com estrutura e políticas de permanência escolar. E caso algum aluno deixe a escola sem alfabetização, é preciso que existam turmas para adultos, com ensino direcionado e que respeite a sua subjetividade naquele momento — conclui.