Com uma pitada de realidade e fantasia, o Grupo Ritornelo de Teatro traz para Passo Fundo, no norte do Estado, o espetáculo Chicão: O Pescador de Livros. A estreia está marcada para domingo (13), às 17h, no Rito Espaço Coletivo.
A peça de teatro relembra a história do papeleiro Valdelírio Nunes de Souza, ou, como era mais conhecido, o Chicão, um personagem da vida real que marcou a cidade por ter recuperado livros do lixo e criado uma biblioteca com mais de 12 mil exemplares.
A ideia do espetáculo surgiu no ano passado, como conta Miraldi Júnior, ator e produtor do grupo de teatro.
— A gente queria falar da relação com o meio ambiente e eu já tinha, há algum tempo, a ideia dos recicladores de história, de pessoas que pegam obras de literatura e constroem uma história em cima de pedaços achados no lixo. E aí veio a ideia do Chicão, que foi um cara que fez isso, que pegava o livro do lixo — conta.
O processo para reconstruir a jornada do papeleiro contou com o apoio dos familiares de Chicão e reportagens que saíram na mídia ao longo dos anos.
Miraldi explica que o roteiro do espetáculo mescla fatos da vida real do personagem principal, com clássicos da literatura como Alice no País das Maravilhas, Os Três Porquinhos e Dom Quixote.
— Não é exatamente uma bibliografia dele. Nós retiramos alguns pontos de obras literárias e costuramos com coisas que ele viveu — explica.

A apresentação, realizada através do 8º Prêmio Funcultura, vai abordar temas como a valorização da leitura, reciclagem e a importância da educação. Além dos atores Miraldi Junior e Guto Pasini, a peça conta com a condução de Claudia Helena Paim Furlanetto, direção de Adriane Mottola, figurinos de Betinha Mânica e direção musical de Ricardo Pacheco.
O espetáculo também deve ser apresentado na Escola Municipal Guaracy Barroso Marinho, no dia 25 de abril, e no Parque da Gare, em 4 de maio. Os eventos são abertos à comunidade.
Paixão de uma vida

Com mais de 12 mil livros encontrados no lixo, Chicão montou uma biblioteca em um galpão cedido pela prefeitura no bairro Zacchia. Depois de sua morte em 2016, aos 73 anos, o espaço foi, aos poucos, se deteriorando por falta de cuidados e hoje não existe mais.
A filha do papeleiro, Luciana Souza, conta que o pai adorava ler poesias, principalmente de obras do escritor brasileiro Jorge Amado, que podiam ser encontradas nas estantes da biblioteca de Chicão.
— A biblioteca era a paixão da vida dele. Ele tinha muito orgulho. Ele fazia eu tirar o sapato para entrar lá. Ele estudou, no máximo, até a quinta série, mas ele tinha muita curiosidade de ler, porque ele lia e me contava tudo sobre plantas, doenças e religiões — disse.
Os livros encontrados pelo pai já fizeram parte da vida acadêmica de Luciana, que atua como técnica em enfermagem. Trabalhando durante o dia e estudando à noite, pouco tempo restava para fazer as tarefas de aula, que acabavam sobrando para os finais de semana.
Sem notebook e impressora à disposição, Luciana precisava fazer as demandas do curso em uma lan house da cidade.
— Todo domingo eu visitava ele. Uma vez ele me ligou pedindo se eu ia, e eu disse que precisava terminar um trabalho de anatomia e que tinha que ir até a lan house para concluir, então não daria tempo de visitá-lo. Lembro que ele me disse 'me diga o nome do que tu precisa que eu procuro e aviso se tem algum livro que você possa usar' — conta.
Na mesma noite Chicão ligou para a filha, após encontrar um material com as solicitações de Luciana.
— O pai tinha livros de alta qualidade. Ele foi imediatamente procurar. De noite ele me ligou e disse 'está aqui o livro, não sei se é esse, mas está tudo aqui as partes do corpo que você falou'. Ele encontrou no lixo e eu fiz o trabalho com o livro. Tenho o maior orgulho de contar isso. O livro veio da biblioteca do meu pai — fala emocionada.

A importância do trabalho de Chicão o fez receber diferentes reconhecimentos, incluindo uma menção honrosa da Academia Passo-Fundense de Letras.
— Ele sempre me incentivou nos estudos e dizia 'minha filha, tudo tem que ter um esforço, não dá para desistir'. Eu e a minha família ficamos muito felizes quando soubemos da peça de teatro. É uma forma manter a memória dele viva — disse.
Estreia do espetáculo "Chicão: o Pescador de Livros"
- Data: 13 de abril
- Horário: 17h
- Local: Rito Espaço Coletivo
- Entrada: gratuita