Na antevéspera da virada do ano, o governo federal surpreendeu o país, abalou o setor produtivo e reacendeu o potencial de atrito com o Congresso Nacional ao editar a Medida Provisória 1.202/2023, que reonera gradativamente a folha salarial de 17 segmentos econômicos geradores de emprego. A equivocada decisão, adotada sem diálogo prévio com as partes interessadas, não apenas desrespeita a autonomia do Legislativo, que já havia se posicionado sobre o assunto, como também confunde o planejamento das empresas para o ano recém iniciado. A medida incômoda, adotada sob o pretexto de busca do equilíbrio das contas públicas, coloca em risco o entendimento político alcançado na recente aprovação da reforma tributária e no exame parlamentar de outros projetos necessários ao desenvolvimento do país.
Do ponto de vista das relações entre Executivo e Legislativo, o que mais choca é o visível espírito de retaliação embutido na MP. Ela foi editada apenas duas semanas depois da decisão do Congresso que prorrogava por mais quatro anos a desoneração, instituída como medida temporária em 2012 para proporcionar às empresas condições para crescer e contratar. Ainda que se possa questionar a contrapartida social dos segmentos beneficiados, como fez o presidente Lula ao vetar a ampliação de prazo do benefício, cabe ao Legislativo fazer esta avaliação – e ela foi feita de forma criteriosa e transparente nas sessões precedentes à derrubada do veto presidencial.
A equivocada decisão não apenas desrespeita a autonomia do Legislativo, que já havia se posicionado sobre o assunto, como também confunde o planejamento das empresas para o ano recém iniciado
Agora, a insensata medida provisória compromete até mesmo o esforço que o ministro Fernando Haddad vem fazendo para manter um diálogo pragmático com a maioria parlamentar que não faz parte da base governamental. Além disso, como efeito colateral, gera preocupação para centenas de pequenos municípios, que também contavam com a redução da alíquota da contribuição previdenciária sobre suas folhas de pagamentos, especialmente a partir do novo aumento do salário mínimo. A repercussão política, portanto, não se restringe ao jogo de poder entre Executivo e Legislativo.
Considerando-se a dimensão do estrago, é impositivo que o governo e o parlamento retomem imediatamente o debate sobre o tema, antes que alguma das partes recorra à judicialização, que só servirá para envolver outro poder no conflito. Ainda há espaço para a negociação, uma vez que a MP equivocada só começa a ter efeitos práticos em abril. Mas a busca de alternativas é urgente, pois os segmentos afetados, tanto no setor privado quanto na área pública, precisam definir como tratarão da questão em seus planejamentos orçamentários para o ano que já está correndo.
Como reconhece a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que representa vários setores interessados na manutenção do benefício, o equilíbrio fiscal perseguido pelo governo não deixa de ser meritório – mas pode ser obtido com diálogo continuado, e não com medidas impositivas que recendem a arbítrio. Além disso, antes de pensar somente em onerar ainda mais quem trabalha, produz e gera empregos, o governo precisa mostrar disposição para elevar a qualidade do gasto público, para modernizar a gestão da máquina administrativa e para reduzir a carga tributária sobre a população.