Um dos principais papeis da imprensa é, em nome dos interesses da sociedade, fiscalizar o poder público. Afinal, os cidadãos – também contribuintes – esperam que os recursos recolhidos em impostos sejam bem empregados e produzam os benefícios esperados para a coletividade. Muitas vezes, no entanto, são interpostos obstáculos que tornam a busca pelas informações mais laboriosa. É aí que entra o jornalismo investigativo, que exige persistência por parte dos repórteres e investimentos de recursos e tempo pelos veículos de comunicação para o trabalho de apuração ser bem executado, com rigor e técnica.
Quando o jornalismo contribui de forma determinante para a melhoria dos serviços públicos, cumpre uma de suas missões existenciais
O caso recente descoberto pelo Grupo de Investigação (GDI) da RBS sobre chromebooks, materiais didáticos, de recreação e esportivos adquiridos pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre, mas mantidos armazenados em depósitos da prefeitura, deixando de cumprir os objetivos para os quais foram comprados, é exemplo da relevância do jornalismo investigativo. A revelação dos repórteres Adriana Irion e Carlos Rollsing já produziu resultados concretos, no sentido da correção dos problemas detectados.
O prefeito Sebastião Melo anunciou ontem as providências tomadas. As medidas incluem a destinação de R$ 8 milhões para obras em escolas, o fechamento de dois depósitos e a instituição de uma diretoria de logística na Smed, para melhorar a distribuição dos materiais. Ou seja, a consequência da reportagem é que o município reconhece a necessidade de ser mais eficiente na tarefa de fazer com que, ao fim, os bens adquiridos sejam utilizados. Ganham os alunos, os professores e o ensino na Capital. Qualificar a educação é um dos grandes desafios no país, nos Estados e nos municípios. Quando o jornalismo contribui de forma determinante para a melhoria dos serviços públicos, ainda mais em uma área basilar para o crescimento com inclusão social, cumpre uma de suas missões existenciais.
As reportagens do GDI sobre o caso, mostrando falhas, circunstâncias que ainda esperam melhores explicações e o risco de desperdício de dinheiro público, geraram mais repercussões. A secretária municipal de Educação, Sônia da Rosa, pediu demissão no domingo. O episódio será ainda investigado pela Promotoria de Justiça Regional da Educação de Porto Alegre. O Ministério Público (MP) quer descobrir por que o material adquirido ao longo do ano passado não chegou ao seu destino. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) também busca esclarecimentos. A própria prefeitura da Capital abriu auditoria para apurar a situação.
Governos, governantes e seus apoiadores mais inflamados, de diferentes cores ideológicas, costumam demonstrar contrariedade quando a imprensa joga luz sofre fatos que, muitas vezes, gostariam que permanecessem desconhecidos da sociedade. Há graus diferentes de reação, é verdade. Os que têm menos apreço pelos valores democráticos, em regra, preferem negar a existência de problemas e alegar perseguição. Os que têm verdadeiro espírito público compreendem que, ao contrário, é até uma contribuição para o aprimoramento da gestão. É o interesse público, afinal, que deve prevalecer. Governos, graças à saudável alternância do poder, passam. Mas permanece a função indispensável da imprensa profissional e do jornalismo investigativo de iluminar zonas de sombra, informar bem e propiciar o mais amplo debate sobre os temas que interessam aos cidadãos.