A prefeitura de Porto Alegre e a Secretaria de Educação do município ainda devem melhores esclarecimentos sobre o caso descoberto pelo Grupo de Investigação (GDI) da RBS de kits pedagógicos, livros didáticos e literários e chromebooks comprados no ano passado e que até hoje estão sem uso pelas escolas e pelos alunos. É uma situação que preocupa também pela constatação de que o material está armazenado de maneira precária em depósitos do poder público e nos próprios colégios, sujeito a deterioração e, no limite, à possibilidade de acabar inutilizado.
O Executivo municipal precisa, agora, prestar esclarecimentos à sociedade e adotar providências para evitar novos casos semelhantes
As explicações prestadas até agora são insuficientes para compreender como essa evidente situação de desperdício do dinheiro público se formou. Intriga, por exemplo, a aquisição de livros que, de acordo com servidores da área, não foram pedidos. E, mesmo assim, foram comprados, sem qualquer plano de aproveitamento pedagógico pelos docentes. Pelo que afirmam professores ouvidos pela reportagem, a utilização do material demandaria planejamento – o que não ocorreu. O enredo desperta mais curiosidade pelo fato de a aquisição ter sido feita por uma modalidade que dispensa a necessidade de realização de uma licitação própria para a compra, sob a justificativa de agilizar o processo. Apenas com dois fornecedores de livros, o gasto foi de R$ 36,2 milhões, além dos R$ 14,4 milhões desembolsados com kits pedagógicos.
Se os livros hoje não se encaixam na proposta pedagógica adotada nas salas de aula, por certo os notebooks estão fazendo falta para os estudantes. Espanta, portanto, que mais de 1,2 mil dessas importantes ferramentas para aprendizagem, avaliadas em R$ 2,4 milhões, sequer tenham sido distribuídas. Parte das unidades não pôde ser usada porque faltam os aparelhos que permitem o carregamento dos dispositivos. Há ainda os casos, mostrou a reportagem, de impressoras abandonadas e aparelhos novos de ar condicionado e de cozinha industrial que não podem ser usados pela incompatibilidade com a rede elétrica das escolas. Trata-se, no mínimo, de uma lamentável falta de cuidado quanto às especificações dos equipamentos adquiridos. É dinheiro do contribuinte próximo de escorrer pelo ralo.
Ironicamente, revela o GDI, um destes locais onde o material de educação está guardado de forma inadequada é um galpão que, em novembro de 2021, foi vistoriado pelo prefeito Sebastião Melo. Ao constatar os problemas, o prefeito prometeu medidas para averiguar irregularidades e estancar o mau uso dos recursos públicos. Se algo foi feito, pouco adiantou. Devem ser esperadas, agora, iniciativas mais efetivas.
É notório que a pandemia teve resultados nefastos sobre a educação e os gestores públicos foram pressionados a encontrar rapidamente meios de recuperar a defasagem no aprendizado. Isso não exime aquisições, no mínimo, atabalhoadas e sem os devidos cuidados. O prefeito Melo reiteradamente se diz compromissado em combater desperdícios e promover o bom emprego dos recursos públicos. O Executivo municipal precisa, agora, prestar esclarecimentos à sociedade, elucidando as interrogações que pairam no ar, e adotar providências firmes para evitar novos casos semelhantes.