A cada levantamento divulgado sobre o nível de endividamento e inadimplência de famílias e empresas surge um novo susto. É um drama que demanda ações estruturais e de curto prazo. Para as pessoas físicas, especialmente de renda mais baixa, aguarda-se o lançamento do programa Desenrola. Foi prometido como uma das primeiras medidas do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas até agora não foi lançado. O Ministério da Fazenda alega problemas operacionais. É preciso que sejam sanados logo, para que o programa possa proporcionar algum alívio a milhões de cidadãos que não conseguem honrar seus compromissos e têm o nome sujo na praça.
A economia está desacelerando, a inflação segue resiliente e o juro alto é outro fator a contribuir para as dificuldades
Os dados da pesquisa mensal da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), baseados em relatório da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), são alarmantes. O percentual de famílias em Porto Alegre com dificuldade para pagar em dia suas contas continua subindo. Em março, chegou a 41,4%, o mais alto nível para o mês desde o começo da série histórica da pesquisa, em 2010. Superior, portanto, ao período de recessão mais aguda, em 2015 e 2016. Não é algo trivial. Observe-se que, em fevereiro, o patamar era de 39,5% e, em março do ano passado, 35,3%. Apesar de as informações se referirem à Capital, são consideradas um termômetro que também reflete a situação em todo o Estado.
A preocupação se deve ainda à conjuntura. A economia está desacelerando, a inflação segue resiliente e o juro alto é outro fator a contribuir para as dificuldades, seja pela menor renda disponível para arcar com as faturas ou pelo aumento do custo financeiro. É um cenário que também desafia empresas. No início do mês, a Serasa Experian mostrou que, em fevereiro, 6,5 milhões de pessoas jurídicas brasileiras entraram na lista de negativação. Foi o maior número da série histórica, iniciada em janeiro de 2016. O quadro para as companhias tem ainda o complicador do caso da rede varejista Americanas, que tornou o crédito ainda mais escasso, além de caro.
Preocupado com a situação, o governo federal tenta iniciativas pontuais, como a lançada na quinta-feira para facilitar empréstimos para parcerias público-privadas (PPPs), com a ampliação de garantias prestadas pelo Tesouro. Em um cenário de juro alto, os investimentos produtivos são desestimulados, realimentando o círculo vicioso da economia estagnada.
O ideal, no entanto, seria vislumbrar um cenário estrutural de redução da Selic, hoje em um estratosférico patamar de 13,75% ao ano. Para isso, será necessário aprovar uma regra fiscal robusta e exequível. Apesar da apresentação do texto do novo marco no Congresso, não há sinalizações de que o Banco Central caminhe para iniciar um ciclo de corte na taxa. O mecanismo destinado a garantir a sustentabilidade das contas públicas e a estabilização da dívida ainda desperta desconfiança pelo grande número de excepcionalidades para despesas e pelo fato de que, para ser cumprido, depende muito do aumento das receitas. Devido à repercussão popular negativa, o governo já recuou da tentativa de taxar compras internacionais, entre pessoas físicas, de até US$ 50. Se cedeu devido ao barulho de redes sociais, há lógica em desconfiar da firmeza quando tiver de rever benefícios tributários que têm lobbies bem mais poderosos, especialmente no Congresso.