É preocupante o impasse que resiste entre o Senado e a Câmara em torno da tramitação de medidas provisórias (MPs). Apesar das posições irredutíveis de lado a lado, deve-se contar que o bom senso irá prevalecer e as duas Casas chegarão a um entendimento que permita a votação de iniciativas importantes, hoje paradas, com o risco de caducar. Como se sabe, MPs têm de ser analisadas em até 120 dias pelo Congresso. Caso contrário, o estabelecido pelo Executivo perde a validade.
O país perde quando tem um Executivo de mãos amarradas e um parlamento que deixa de cumprir as suas funções por uma disputa de poder
Entre as matérias pendentes, algumas paralisadas há mais de 50 dias, estão temas relevantes para o funcionamento do novo governo e para o país, como a que reestruturou ministérios, a do novo Bolsa Família, a do Minha Casa Minha Vida, a do Mais Médicos e a que extingue a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Nenhuma MP editada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva foi apreciada até agora.
Por trás da controvérsia personificada pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, está a disputa por influência e poder. Manda a Constituição que todas as medidas provisórias, antes de serem levadas aos plenários, têm de ser analisadas por uma comissão mista formada por um mesmo número de deputados e senadores. Com a pandemia, no entanto, optou-se por um formato alternativo, com as MPs indo direto para a votação na Câmara, sem passar pelas comissões. Apenas depois o texto era submetido ao Senado, que, por sua vez, vinha reclamando de se tornar um mero carimbador dos encaminhamentos dos deputados.
O caráter excepcional empoderou o presidente da Câmara, Casa desde 2021 sob a batuta de Arthur Lira, que, a partir de então, por essa e outras articulações, se consolidou talvez como a figura política mais influente do país. Lira, agora, não quer abrir mão de poder, como a indicação do relator na etapa inicial da tramitação, e tenta forçar a manutenção do rito atípico, utilizado por força da emergência sanitária. Formalmente, a queixa é de que, enquanto a Câmara tem 513 membros, o Senado tem apenas 81. Assim, os deputados seriam sub-representados nas comissões mistas.
Ocorre que, se não existir um acordo, deve prevalecer o que diz a Constituição. Não se deve admitir a hipótese de a Carta ser desobedecida. Se a contrariedade persistir, há um caminho legal e previsto. Que se apresente uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para a alteração dos procedimentos. Um debate profundo e civilizado pode até mostrar que a Câmara tem suas razões e que seria viável uma nova forma de tramitação com análise equilibrada e no tempo adequado. Todo o processo, no entanto, deve ser conduzido à luz da ordem constitucional, sem chantagens e ameaças de paralisação. Diante da falta de conciliação, o presidente do Senado determinou na quinta-feira a retomada das comissões mistas para a análise das MPs do governo Lula, iniciativa tachada de “truculenta” por Lira.
O certo é que a nova legislatura trabalhou muito pouco desde que foi instaurada. Nenhuma pauta importante foi votada, o que faz o Planalto tentar mediar o conflito. Mas não é apenas o governo o prejudicado com o imbróglio. O país perde quando tem um Executivo eleito para governar de mãos amarradas e um parlamento que deixa de cumprir as suas funções por uma disputa de poder.