Por Fabio Brun Goldschmidt, advogado tributarista
No filme O Advogado do Diabo, há uma cena memorável em que Al Pacino, no papel de Lúcifer, explica quem é ao jovem Kevin (Keanu Reeves), dizendo: “Sou a mão sob a saia da Mona Lisa! Olhe para mim, Kevin! Sou uma surpresa… Eles não me enxergam chegando”. É fato que poucas coisas geraram mais debates na história da arte quanto o sorriso enigmático de Mona Lisa. Não se sabe se é de ironia, desprezo, sedução, indignação ou até felicidade. Mas ele chega sutilmente, quase despercebido… E ganha proporções lendárias.
A mão sob a saia da Mona Lisa chega silenciosamente, sem avisar, mas desta vez provoca um sorriso bastante óbvio, de profunda indignação do contribuinte
Ano passado fomos surpreendidos por um vilão sutil, desses que chegam sorrateiros e se instalam: a inflação, que andava apagada, chegou a mais de 25% segundo o IGP-M. E, de repente, nos vemos na obrigação de examinar a legislação do imposto de renda brasileiro, que faz de conta que nossa moeda não se desvaloriza.
Se você pretende vender sua casa, saiba que tudo o que receber do comprador vai ser considerado lucro e servirá de base para a cobrança de imposto de renda, com cega desconsideração dos efeitos corrosivos inflacionários.
Se você está feliz que aplicou seu rico dinheirinho a uma taxa Selic de dois dígitos, saiba que na hora que ele render, o Leão não vai querer saber se boa parte do que aparentava ser seu “rendimento” era meramente reposição do valor da moeda no tempo. E que o limite das deduções com dependentes e educação na declaração, historicamente, sempre foi corrigido abaixo da inflação, como se seus gastos não aumentassem. Quem é servidor público e está com seus vencimentos congelados sabe bem do que estou falando.
Na prática, a inflação converte o imposto de renda em um imposto sobre receita, uma base muito maior e distinta, que considera apenas o quanto ingressou no seu bolso sem se importar se isso é lucro ou não. E isso não poderia ser assim, afinal ele só pode recair sobre aquilo que, em sentido próprio e técnico, for considerado “renda”. A mão sob a saia da Mona Lisa chega silenciosamente, sem avisar, mas desta vez provoca um sorriso bastante óbvio, de profunda indignação do contribuinte. Esperamos que este sorriso instale os mesmos acalorados debates; e que eles sirvam para limitarmos o imposto de renda aos seus contornos reais.