Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Em junho de 2020, já sob as consequências da pandemia, o relatório Focus, do Banco Central, apontava que o mercado projetava que fecharíamos o ano com inflação de 1,63%, e acreditava que em 2021 teríamos 3,0%. Já em Outubro de 2020, com inflação acumulada nestes nove meses iniciais em 2,2%, a projeção era de que fecharíamos o ano com 3,0% e que 2021 se encerraria com 3,1%. Bem, fechamos 2020 com 4,5% e temos inflação acumulada até agosto deste ano de 5,6%. Ou seja, o mercado tem errado sistematicamente suas projeções de inflação.
Esse cenário de distanciamento entre as projeções e o que se verifica é apontado por um estudo do Credit Suisse, publicado em 27 de agosto, assinado por Solange Srour e Lucas Vilela. Claro que o cenário instável e desconhecido, patrocinado pela pandemia e eventos exógenos, não facilita o trabalho de previsão de comportamento de variáveis econômicas. De qualquer modo, o erro é sintoma de que algo está escapando à análise.
O combate à inflação crescente passa por atacar causas estruturais, como a pressão sobre o dólar oriunda da crise fiscal e política
Um dos componentes que causam a atual inflação é o descompasso entre oferta e demanda que é reflexo, em alguma medida, da dinâmica que a pandemia nos impôs, tanto pelo prejuízo na dinâmica produtiva quanto pelos incentivos monetários oferecidos. Mas, também temos influência dos preços internacionais das commodities, do dólar, da crise hídrica e da quebra na produção de alguns alimentos. Estes componentes estão presentes nas análises.
Porém, outro estudo dos mesmos autores, destaca um elemento que economistas chamam de “componente inercial”. A inércia, na física, é a tendência de um corpo resistir a mudar seu estado de movimento ou repouso. Transpondo para economia: atualmente já temos indícios de que a inflação passada seja parte da causa da inflação presente (e futura), o que implica resistência em ceder.
Alguns preços na economia são indexados, ou seja, sofrem reajustes sistemáticos com base na inflação – aluguel e rendas, por exemplo. Assim, com inflação mais alta, os reajustes são mais altos e mais pressão inflacionária é gerada pelo seu aumento, criando um círculo vicioso. Este elemento me parece ainda subestimado no diagnóstico inflacionário.
Portanto, o combate à inflação crescente passa por atacar causas estruturais, como a pressão sobre o dólar oriunda da crise fiscal e política. Não podemos deixar a inflação ganhar velocidade. Quanto mais acelerada, maior deverá ser a força dos freios para segurá-la.