Por André Moreira Cunha e Andrés Ferrari Haines, professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
A busca de conflitos políticos com o Brasil, motivados por diferenças ideológicas, não faz parte do horizonte estratégico de Alberto Fernández. A sua eleição para a presidência da Argentina, já no primeiro turno e com 48% dos votos, não foi uma surpresa. Em agosto, nas primárias, Fernández obteve votação similar, com 16 pontos percentuais de vantagem sobre Macri. As pesquisas eleitorais próximas ao pleito sugeriam a manutenção desta diferença. Isso não aconteceu e Macri acabou com 40,4%. Tal resultado não retirou do presidente a sensação de fracasso, que só não foi maior porque a rejeição ao peronismo também é alta.
Há quatro anos, Macri foi eleito com 51% de votos sob a promessa de fazer a economia prosperar. Seu mandato termina com o país em condições muito piores do que aquelas que marcaram a eleição em 2015. A discussão sobre as razões do seu insucesso, se resultado da herança recebida dos governos de Néstor e Cristina Kirchner, ou se fruto das políticas liberalizantes que aprofundaram o fosso que separa os ricos do resto da população, é importante, mas não altera a realidade objetiva de que a maioria dos eleitores rechaçou o seu governo. E isto ocorreu por motivos reais e não ideológicos: a renda está em queda, as falências de empresas se multiplicam, a inflação está fora do controle e a pobreza atinge níveis recordes.
Estas mesmas razões sugerem que o futuro governo terá uma margem de manobra estreita para operar suas políticas. Fernández sabe que deverá entregar resultados concretos para a maioria da população, ou acabará por ter o mesmo fim melancólico de Macri. Por isso mesmo, moderação e pragmatismo serão preferíveis aos arroubos retóricos. O novo presidente terá de renegociar sua dívida externa, especialmente com o FMI, e não contará com um ambiente econômico global favorável. O mundo cresce pouco e de forma instável. E seus principais parceiros, particularmente o Brasil, estão ainda mais fragilizados.
A instabilidade política tornou-se uma marca dominante na conjuntura regional. Seria importante que as nossas lideranças tivessem serenidade para compreender a complexidade desta nova realidade e que buscassem formas de mitigar os riscos crescentes de esgarçamento do tecido social. A região precisa de bombeiros e não de incendiários. Para o Brasil, a estabilização política, securitária e econômica de um vizinho tão importante deveria ser percebida como um valor positivo. Respeitar a vontade soberana de sua população, que democraticamente foi às urnas e tomou a sua decisão, é um pressuposto essencial para a manutenção das relações bilaterais.
No plano estritamente econômico o bom senso é fundamental. A Argentina é o terceiro principal parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e dos Estados Unidos. E, mais importante, é um mercado que absorve relativamente mais bens industrializados, de maior valor agregado. Só para exemplificar, em 2018 vendemos US$ 14,9 bilhões para nosso vizinho, dos quais 91% (US$ 13,5 bilhões) dos produtos eram manufaturados. No mesmo ano, exportamos US$ 64 bilhões para a China, dos quais somente US$ 1,5 bilhão (2,3%) era de bens manufaturados. Para os Estados Unidos, exportamos US$ 16,8 bilhões em manufaturados, quase o mesmo montante que para a Argentina, um país que estava em recessão e tem uma renda de US$ 550 bilhões e uma população de 44 milhões de habitantes, diante dos US$ 20,5 trilhões da renda estadunidense e seus 330 milhões de habitantes.
Para a Argentina, a parceria econômica com o Brasil também é estratégica. Somos o principal destino de suas exportações (16%) e origem de suas compras internacionais (20%). Do ponto de vista qualitativo, o comércio com os vizinhos regionais também permite a negociação de bens mais sofisticados e de maior valor adicionado. É do interesse do Brasil que seus vizinhos tenham estabilidade política e crescimento robusto. O mesmo vale para a Argentina.