Por Paulo César Tinga, ex-jogador e cidadão
Na véspera do Dia das Crianças, vale a reflexão: criar filhos é um desafio, ainda mais quando o pai é um ídolo. Na verdade, é uma faca de dois gumes. Se por um lado isso ajuda a abrir portas, por outro pode alimentar dois tipos de culpa, especialmente se a criança decide seguir os passos do pai. No caso do futebol, se tiver a oportunidade de jogar em um grande clube, a culpa é por aquela dúvida que fica martelando na cabeça: será que eu estou aqui porque sou bom ou porque sou filho do meu pai? Se não der certo na carreira, a culpa é por ter falhado e decepcionado a família, sendo filho de um ex-jogador.
Desde cedo, decidimos seguir um conceito com o nosso filho Davis. Ele deveria fazer o caminho dele. Nada de telefonema ou tentar carteiraço no Inter ou no Grêmio. Ele foi fazer peneira no São José. E passou. Carona de carro para o treino? Nada disso.
O Davis vai de ônibus, igual aos seus colegas. Não foi fácil, porque os pais sempre querem proteger e facilitar a vidas dos filhos. Mas, se facilitar demais, atrapalha.
Semana passada, o Davis foi jogar pelo São José contra o Internacional pelo Gauchão sub-17. Ele nem imagina quanta coisa passou pela minha cabeça, também porque sou colorado e ele sabe disso. Nem fui ao estádio, para não chamar a atenção para mim e criar ainda mais pressão. Mas, de alma e de coração, eu estava lá. No meio da partida, recebi uma mensagem de WhatsApp: "Tu nem imagina o que aconteceu". Veio junto um vídeo.
Meu coração disparou, mas no fundo eu sabia que era coisa boa. Cliquei e vi o Davis pronto para bater um pênalti. Ele deu três passos longos para trás. Acelerou para a frente e, de cavadinha, mandou a bola para a rede. Depois teve mais um gol dele, de falta, vencendo a barreira. O São José perdeu por 3 a 2 mas, para mim, ficou um gosto especial de vitória. Alguma coisa mudou. Meu filho cresceu de repente, virou homem grande. Sem culpa, fez dois gols contra o time do coração do pai. Era isso o que queríamos. Senti como se fosse uma libertação.
Sozinho, em casa, revi aqueles vídeos várias vezes, enquanto chorava feito criança.