Por Jorge Barcellos, doutor em Educação pela UFRGS
Sobrevivendo a incêndios e conspirações, o Mercado Público de Porto Alegre completa hoje 150 anos. Nesse tempo superou as funções de mercado para transformar-se em patrimônio cultural, imaterial e espaço de sociabilidade. Viu a cidade transformar-se em metrópole sem deixar de ser o velho mercado por onde passaram escravos, libertos, comerciantes, políticos, trabalhadores, fiéis de Iemanjá e artistas como Lupicínio Rodrigues, Francisco Alves e Carlos Gardel.
A paisagem ao seu redor é que se modificou. Barcos e carretas que chegavam às docas das frutas cederam espaço a praças e pontos de ônibus. Administrado pela Câmara Municipal, passou após para a esfera da Prefeitura. Superou com desenvoltura a função do comércio da Banca do Peixe da Praça da Quitanda na Rua da Praia, nos idos de 1781, do primeiro mercado, que existiu entre 1844 e 1869 e as necessidades do capital. Por quê?
Porque soube ser mais do que um mercado. É só olhar sua história: das impressões dos viajantes do século 19 maravilhados com a vida do lugar a cultura do comércio de "tabuleiro" das "pretas-minas", da identidade religiosa do assentamento do Bará às transformações no seu entorno e no seu interior, como a construção do segundo pavimento, dos momentos difíceis que passou como a enchente de 1941, os incêndios de 1912, 1972,1979 e 2013 e as tentativas do capital para sua apropriação e desconfiguração, é sempre a história de homens e suas ideias superando as adversidades e desejo apenas por lucro.
É que mais importante que o dinheiro das trocas são as vivências das pessoas. O valor é sua identidade, seu patrimônio imaterial. Mantendo o tradicional incorporando lentamente o moderno, seu último desafio não é recuperar sua história que a reabertura de seu Memorial exige, mas enfrentar a nova investida do capital para sua apropriação, as parcerias público-privadas. É preciso definir que tipo de Mercado queremos para comemorar seus 160 anos: como mercado tradicional ou como espaço gourmet com direito a lojas de grife. Os permissionários são contra. A cidade deve se posicionar.