Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Dentre as muitas coisas que estão fora do esquadro no Brasil atual, o discurso talvez seja a mais aguda. E aqui me posiciono diametralmente contrário às manifestações que tenho lido, especialmente na defesa do presidente Jair Bolsonaro, de que se deve ignorar a fala, que é só bravata, que o que importa são as reformas e os atos em sim. Enganam-se. A comunicação é a pedra angular que faz a política e as relações sociais acontecerem, para o bem ou para o mal. No caso do Brasil dos últimos tempos, claramente para o mal.
Desde a semana passada assistimos ao presidente vociferar contra líderes europeus por causa da Amazônia – com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, engrossando esse coro desafinado. O resultado efetivo deste discurso, desta retórica irresponsável, tem sido a perda de dinheiro para proteção ambiental e o risco de ver o acordo comercial Mercosul-União Europeia ser bloqueado – além, claro, da vergonha que os brasileiros passam a carregar diante de tantos absurdos, não apenas desnecessários e desrespeitosos, mas também tecnicamente equivocados.
E não é apenas com o exterior que os discursos do governo federal têm criado situações delicadas. Também dentro o Brasil a situação é grave, com o encorajamento da polarização e o alimento à ódios dos mais variados. Por exemplo: como será possível fazer política ambiental depois de o presidente, sem ser censurado por ninguém da sua equipe, falar que iria acabar com a "indústria da multa do Ibama", que não assinaria mais nenhuma reserva indígena e ainda sugerir que ONG's ambientalistas seriam responsáveis por incêndios criminosos na Amazônia?
O discurso é a principal ferramenta de liderança em uma sociedade. As palavras e a retórica têm o poder de direcionar ideias e ações. Tanto é, que parlamentares trabalham para blindar as casas legislativas dos impactos deste amontado de polêmicas descabidas. Acontece que isso tem um impacto negativo terrível: enquanto tentamos entender essa retórica torta, muitas vezes anti-democrática, reformas importantíssimas são discutidas no Congresso sem o devido diálogo com a população.
Quem argumenta que devemos nos concentrar nas reformas que o Brasil precisa e deixar de lado esses discursos, esquece que não é possível conversar em meio à gritaria. E para se desenvolver, o país precisa conversar, interna e externamente.