Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Com 20 anos de idade, durante minha graduação em Economia, comprei um discman. No dia da compra, eu levei na mochila um CD do Zé Ramalho, o álbum Antologia Acústica. Ele seria o primeiro a rodar no meu aparelho novo. Quando comprei, não aguentei chegar em casa e parei numa lancheria, pedi um café preto, desempacotei o discman e escutei Chão de Giz. Enquanto escrevo, posso sentir o som metálico daquele violão solo roçando meus ouvidos, floreando a voz gutural de Zé.
Quando guri, eu tive outro discman, que meus pais haviam comprado. Mas, neste caso, havia duas novidades grandiosas. A primeira é que agora eu mesmo comprei, com meu dinheiro. A segunda é o que eu rodava nele. Zé Ramalho, para mim, era um grande passo rumo à música de qualidade, pois carrega uma história associada à MPB e à ideia de que música é uma sublime manifestação cultural.
E estas duas coisas devo ao Ensino Superior. Na faculdade, eu me desenvolvi profissional e culturalmente. Lá, fui exposto ao que o mundo oferece para quem tem oportunidade e desejo de estudar, de não apenas saber o que determinado botão faz, mas explorar como ele faz. Foi lá que entendi o que é a diversidade de pensamento, suas formas e o necessário respeito que ela demanda.
As manifestações desta semana contra o corte de gastos com educação são um grito de dor pelo prejuízo direto ao que representa ser exposto ao aprendizado. Mas não se trata apenas do corte de recursos – isso já ocorreu em outros governos e não tivemos manifestações. A questão é contextual.
Além dos cortes, temos um vazio de qualquer plano para educação e pesquisa nacionais. Vemos um governo que começou a falar do aperto como se fosse uma vingança contra uma suposta “academia esquerdista”. E o que parece nosso projeto de país é apenas a expectativa de que o crescimento econômico virá automaticamente depois da reforma da Previdência, auxiliado pelo aumento de “produtividade” do trabalhador pela supressão de direitos, da segurança no trabalho e, até, do horário de verão. Além de um equívoco econômico, um equívoco civilizatório!
Um projeto de país baseado no achaque da liberdade que só a educação proporciona é o que temos de mais triste hoje. Os protestos foram uma reação natural ao vazio de ideias que está estabelecido. E todos sabemos que, sem educação, esse vazio nos engolirá.