Por Flavio Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas
Nosso governador vetou o projeto de bebidas alcoólicas nos estádios, mas convido o leitor a um exercício de raciocínio, e somente vou me focar no aspecto "beber e dirigir". Imaginemos que o álcool fosse liberado nos estádios, conforme demandam organizações ligadas ao futebol e alguns parlamentares. Na forma proposta, a venda seria permitida antes, no intervalo e após o término dos jogos. Neste formato, teríamos torcedores sob efeito de álcool antes, durante e após o jogo - uma vez que nosso cérebro não consegue fazer intervalos de 45 minutos para interromper o efeito ou progressivamente eliminar o álcool do organismo.
Um homem de 70 kg elimina álcool a uma taxa de uma dose padrão por hora (equivalente a uma lata de cerveja). Para que ele possa dirigir com segurança, precisará consumir apenas duas doses no período e ainda torcer para que o jogo tenha prorrogação – e que seus cálculos estejam corretos, para eventualmente zerar o bafômetro na saída do estádio. Então, como esta é uma hipótese muito remota (metabolismo perfeito, todos os torcedores homens, saudáveis e com 70 kg), o ideal para o torcedor que consumisse bebida alcoólica seria: a) utilizar transporte público para ir e voltar ao estádio - aí incluídos ônibus, táxis, veículos que utilizam aplicativos, e bicicletas, ou b) designar um "motorista da vez" para que este não beba durante o evento e dirija de volta para casa, sem risco para si ou para os outros.
Novamente convido o leitor ao exercício: mesmo que tivéssemos infraestrutura para tal, na capital e interior – transporte perfeito, agentes de trânsito em quantidade, etc – e a consciência cultural de designar um amigo ou parente para não beber – esta condição seria possível? Todo torcedor iria beber apenas a quantidade proposta? Acredito que não. Nem funcionamos com tal matemática nem convivemos com tal infraestrutura. Pessoalmente não vejo qualquer problema em beber e assistir uma partida de futebol – desde que em casa e longe da possibilidade de dirigir.