Em âmbito estadual e federal, o poder público não vem conseguindo fechar suas contas com as despesas nos níveis atuais. Mesmo assim, as pressões por gastos continuam na virada do ano, como se a realidade do caixa, que financia todos os poderes, fosse de fartura. No Rio Grande do Sul, o exemplo mais ilustrativo é a opção pelo pagamento de uma suposta diferença de ganhos ainda relativa ao período que antecedeu a implantação do Plano Real, em meados dos anos 1990. Na maioria das vezes, decisões desse tipo favorecem categorias influentes fora do Executivo, mais resistentes a preocupações com o rigor fiscal. Nem mesmo órgãos cuja razão de existência seria zelar pelo uso adequado de dinheiro público conseguem evitá-las. Em alguns casos, essas mesmas instituições acabam decidindo em benefício próprio.
Só na Assembleia Legislativa gaúcha, por exemplo, que acaba de autorizar o pagamento de alegadas diferenças de um passado remoto, o impacto será de R$ 550 milhões. No Tribunal de Contas do Estado (TCE), ao qual cabe zelar pelo rigor na destinação de dinheiro público, o montante alcança R$ 232 milhões. O Tribunal de Justiça e o Ministério Público também já pagaram a suposta diferença, que a essa altura contempla particularmente servidores inativos.
No mesmo espírito de autorizar despesas sem levar em conta se o caixa dispõe ou não dos recursos necessários, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma medida provisória que adiava de 2019 para 2020 o reajuste salarial de servidores federais. Se a decisão não for revista, o impacto é estimado em R$ 4,7 bilhões já no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro.
A mesma despreocupação com o rigor fiscal ficou evidente em decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O parlamentar aproveitou o fato de ocupar a presidência da República por um dia, quase ao final do governo Michel Temer, para sancionar proposta que livra municípios da punição por estourarem o limite de gastos com pessoal. A crise econômica, de fato, derrubou as receitas das diferentes instâncias da federação, mas isso deveria fazer com que se mostrassem ainda mais atentas ao aumento das despesas.
Rigor fiscal é uma das explicações para o fato de, mesmo às voltas com dificuldades, o país continuar com a inflação sob controle, e não pode valer só para o Executivo. O setor público precisa da conscientização de todos os poderes sobre a necessidade de reequilibrar suas contas mediante a contenção de gastos. Os contribuintes não têm como aceitar despesas oficiais além das que o bom senso recomenda.