Por Igor Oliveira, consultor empresarial
O movimento pela redemocratização, na década de 1980, tinha uma tarefa difícil: escolher uma bandeira clara o suficiente para restabelecer a democracia no Brasil. Escolheu as eleições diretas, algo que o público relaciona naturalmente com democracia. Desde então, no Brasil, democracia é sinônimo de eleição. Outros componentes, como a liberdade de expressão e a devida aplicação da lei, são negligenciados.
Pelo fato de os militares ainda deterem muito poder quando as negociações começaram, nunca houve uma condenação clara dos crimes de lesa-humanidade cometidos pelo regime. Parte da oposição havia utilizado métodos violentos, o que gerava um argumento contra a condenação do regime e um interesse mútuo em torno de uma ideia de anistia que valesse para os dois lados. Os crimes cometidos por agentes do Estado no poder, que poderiam ter sido tratados de maneira totalmente diferente dos crimes cometidos por outras pessoas e organizações, jamais foram realmente repudiados.
Essas questões mal resolvidas na história brasileira eram uma bomba-relógio, uma conta que teríamos que pagar em algum momento. A hora chegou, e não adianta brigar com familiares e amigos, porque esse acerto era inevitável.
No segundo turno, teremos de escolher entre duas candidaturas que se utilizam de conceitos limitados de democracia. Aproveitam-se da ferida aberta que é a nossa relação com o regime que antecedeu a atual República. A história definitiva da ditadura ainda está por ser escrita, e essa é a batalha simbólica por trás do pleito.
A coalizão que reelegeu Dilma, da qual os dois atuais candidatos à presidência faziam parte (Bolsonaro pelo PP e Haddad pelo PT), utilizou recursos desviados de estatais e divulgou informações falsas para ganhar a eleição. Naquele momento, como em tantos outros episódios desde a volta do voto direto, nossa definição de democracia foi colocada à prova. O simples fato de termos eleições, mesmo que fraudadas, é condição suficiente para considerarmos democrática a nossa nação?
Ao não invalidar as candidaturas que se valeram desses ilícitos, escolhemos que sim. Consideramos que quem foi eleito pelo voto, mesmo que não respeite as instituições, é representante legítimo. Agora, novamente, temos discursos que ignoram as instituições democráticas. Se quisermos seguir o caminho das nações mais prósperas, precisaremos, no futuro, exigir uma definição mais abrangente de democracia.