Duas grandes distorções associadas ao absurdo de pessoas de renda elevada receberem benefícios destinados a miseráveis foram expostas em reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo. A primeira é a falta de controle que permite que fraudes do gênero, como a apropriação de dinheiro do Benefício de Prestação Continuada por pessoas de alta renda não sejam exceções. A segunda e grave distorção pode ser resumida pela manifestação de uma antropóloga entrevistada ao final da reportagem: essas pessoas não reconhecem que estão praticando corrupção.
No passado, já foram flagrados largos esquemas de desvio no seguro-desemprego e no seguro-defeso. O crescimento da proteção social no Brasil claramente não foi seguido pelos cuidados para que o dinheiro chegue a quem precise – e só as revisões do Bolsa Família concretizadas no atual governo dão uma amostra de quão largo é o tubo pelo qual passa a corrupção.
As justificativas fornecidas por quem deu sua versão na reportagem são convenientes para os que não hesitam em se beneficiar indevidamente nesses casos. Isso porque os mais de mil privilegiados que se apropriaram de dinheiro previsto para cidadãos em situação financeira precária veem o dinheiro público, que é de todos, como sendo de ninguém.
Essa mentalidade distorcida sedimenta corrupção sistêmica no Brasil. Os cidadãos precisam ter consciência de que dinheiro público desviado de sua destinação, não importa o valor, é corrupção também. Só quando houver conscientização em relação a esse aspecto é que será possível construir uma nação capaz de repelir de fato a malversação dos recursos pagos pelos contribuintes.